Copyright © Julio Cesar de Siqueira Barros.
Agosto, 2005.
Primeira atualização em 18 de outubro de 2005.
Segunda atualização em 24 de junho de 2011.

 

"Erros" em Kardec 2: Análise e Comentários Críticos das Obras de Kardec: seus Livros e sua "Revue Spirite" durante o período em que Kardec estava vivo



No texto abaixo, incluí diversos trechos dos livros de Allan Kardec, e também alguns da Revue Spirite (a "Revista Espírita", da qual Kardec foi fundador e dono, tendo sido ela iniciada em janeiro de 1858, com fascículos mensais, e tendo Kardec presidido à confecção dos fascículos até o mês seguinte ao da sua morte; Kardec faleceu em março de 1869, e deixou pronto o fascículo de abril de 1869). São
trechos que me parecem interessante de serem comentados, ou por possuírem erros mais ou menos graves, ou por possuírem características (por vezes mesmo virtudes) notáveis, etc. Os meus comentários virão sempre após os trechos pertinentes, e virão dentro de caixas para mais clara separação.

 

 

O Livro dos Espíritos. 79a Edição. 1997. Rio de Janeiro. Federação Espírita Brasileira.

Nota Importante: o Livro dos Espíritos é arranjado no modo "perguntas-respostas-comentários". Kardec faz perguntas aos espíritos, esses respondem, e ele comenta. Na verdade, as respostas que constam da edição definitiva, que é a segunda edição francesa de 1860 (a primeira é de 1857), não são exatamente as respostas dadas pelos espíritos. Kardec as modificou um pouco. As que constam da primeira edição (que quase ninguém possui no Brasil, e que eu possuo em pdf para os estudiosos interessados) possuem um estilo mais "cru", menos "bonito". Uma questão interessante é se mesmo a primeira edição não conteria embelezamentos questionáveis por parte de Kardec... Em todo o caso, é necessário eu alertar ao leitor que do modo como eu expus os trechos abaixo pode ser por vezes (poucas vezes) difícil distinguir o que é dito por Kardec ou pelos espíritos (isso também acontece com algumas das demais obras que cito abaixo). Contudo, para os fins da análise a que me proponho, esse ponto não é importante. E caso alguém necessite de tal informação, facilmente poderá localizar por si só e identificar tais pormenores. Inclusive, a FEB (Federação Espírita Brasileira), em seu site na internet, tem disponibilizados diversos dos livros de Kardec, o que facilitaria tal tarefa aos interessados.

 

Página 23
Vamos resumir, em poucas palavras, os pontos principais da doutrina que nos transmitiram, a fim de mais facilmente respondermos a certas objeções.

"Deus é eterno, imutável, imaterial, único, onipotente, soberanamente justo e bom.
"Criou o Universo, que abrange todos os seres animados, e inanimados, materiais e imateriais.
"Os seres materiais constituem o mundo visível ou corpóreo, e os seres imateriais, o mundo invisível ou espírita, isto é, dos Espíritos.
"O mundo espírita é o mundo normal, primitivo, eterno, preexistente e sobrevivente a tudo.
"O mundo corporal é secundário; poderia deixar de existir, ou não ter jamais existido, sem que por isso se alterasse a essência do mundo espírita.

 Basicamente, eu acho que do ponto de vista científico o kardecismo possui afirmações demais para evidências de menos. Também acho que as exigências com relação a Deus são demasiadas. Deus tem que ser imutável, onipotente, etc, senão não é Deus. Acho tal exigência exagerada. Ademais, do meu ponto de vista, a onipotência é uma impossibilidade lógica, por ser internamente incoerente. Algo que é todo poderoso não pode vivenciar a fraqueza, e isso já é uma falta de poder. Também, se tal Deus é de fato todo poderoso, então ele pode criar um ser mais poderoso que ele, com todos os problemas lógicos que isso implica.

 

Página 25
"As qualidades da alma são as do Espírito que está encarnado em nós; assim, o homem de bem é a encarnação de um bom Espírito, o homem perverso a de um Espírito impuro.
"O Espírito encarnado se acha sob a influência da matéria; o homem que vence esta influência, pela elevação e depuração de sua alma, se aproxima dos bons Espíritos, em cuja companhia um dia estará. Aquele que se deixa dominar pelas más paixões, e põe todas as suas alegrias na satisfação dos apetites grosseiros, se aproxima dos Espíritos impuros, dando preponderância à sua natureza animal.

 Em diversos pontos, a doutrina espírita kardecista afirma, ou dá a entender, que o procedimento de um homem é fruto de seu espírito, e não de seu corpo. É a supremacia do espírito sobre a matéria. Afirmam que não há arrastamentos irresistíveis, a menos em situações patológicas. A meu ver isso é altamente questionável, e mesmo perigoso.

 

Página 26
"Distinguir os bons dos maus Espíritos é extremamente fácil. Os Espíritos superiores usam constantemente de linguagem digna, nobre, repassada da mais alta moralidade, escoimada de qualquer paixão inferior; a mais pura sabedoria lhes transparece dos conselhos, que objetivam sempre o nosso melhoramento e o bem da Humanidade. A dos Espíritos inferiores, ao contrário, é inconseqüente, amiúde trivial e até grosseira. Se, por vezes, dizem alguma coisa boa e verdadeira, muito mais vezes dizem falsidades e absurdos, por malícia ou ignorância. Zombam da credulidade dos homens e se divertem à custa dos que os interrogam, lisonjeando-lhes a vaidade, alimentando-lhes os desejos com falazes esperanças. Em resumo, as comunicações sérias, na mais ampla acepção do termo, só são dadas nos centros sérios, onde reine íntima comunhão de pensamentos, tendo em vista o bem.

 Esse é a meu ver um grande problema na abordagem de Kardec. Ele parecia de fato acreditar que é extremamente fácil distinguir os bons dos maus espíritos.

 

Página 33
Que respondem a essa evidência os antagonistas? — Sois vítimas do charlatanismo ou joguete de uma ilusão. Diremos, primeiramente, que a palavra charlatanismo não cabe onde não há proveito. Os charlatães não fazem grátis o seu ofício.

 Penso ser ingênuo achar que não há charlatanismo onde não há proveito. O charlatão pode ser psicótico, ou gostar de iludir simplesmente.

 

Página 43
Em segundo lugar, se todos os fenômenos promanassem do médium, seriam sempre idênticos num determinado indivíduo; jamais se veria a mesma pessoa usar de uma linguagem disparatada, nem exprimir alternativamente as coisas mais contraditórias. Esta falta de unidade nas manifestações obtidas pelo mesmo médium prova a diversidade das fontes. Ora, desde que não as podemos encontrar todas nele, forçoso é que as procuremos fora dele.

 Esse ponto acima é um onde Kardec expõe sua fraqueza de conhecimentos a respeito da psiquê humana. Freud, e estudiosos posteriores, nos levam a rejeitar o que é dito acima por Kardec.

 

Página 44
Ainda uma vez, e este é ponto capital sobre que nunca insistiremos bastante: a teoria sonambúlica e a que se poderia chamar refletiva foram imaginadas por alguns homens; são opiniões individuais, criadas para explicar um fato, ao passo que a Doutrina dos Espíritos não é de concepção humana. Foi ditada pelas próprias inteligências que se manifestam, quando ninguém disso cogitava, quando até a opinião geral a repelia. Ora, perguntamos, onde foram os médiuns beber uma doutrina que não passava pelo pensamento de ninguém na Terra? Perguntamos ainda mais: por que estranha coincidência milhares de médiuns espalhados por todos os pontos do globo terráqueo, e que jamais se viram, acordaram em dizer a mesma coisa?

 Kardec insiste: "não passou pelo pensamento de ninguém". O desconhecimento que ele tinha a respeito do inconsciente (ou subconsciente) foi a meu ver indutor de diversos erros no trabalho dele.

 

Página 49
Este livro é o repositório de seus ensinos. Foi escrito por ordem e mediante ditado de Espíritos superiores, para estabelecer os fundamentos de uma filosofia racional, isenta dos preconceitos do espírito de sistema. Nada contém que não seja a expressão do pensamento deles e que não tenha sido por eles examinado. Só a ordem e a distribuição metódica das matérias, assim como as notas e a forma de algumas partes da redação constituem obra daquele que recebeu a missão de os publicar.

 Esse trecho acima afirma a autoridade do Livro dos Espíritos. E ao mesmo tempo a credulidade de Kardec...

 

Página 49-50
O homem quintessencia o espírito pelo trabalho e tu sabes que só mediante o trabalho do corpo o Espírito adquire conhecimentos.

 Esse é um ponto interessante. Apesar de tanto dizerem que o espírito é o que é importante, que o mundo material poderia mesmo nem existir, etc, os espíritos afirmam que só pelo trabalho do corpo o espírito progride. Contraditório.

 

Página 52-53
Onde se pode encontrar a prova da existência de Deus?
"Num axioma que aplicais às vossas ciências. Não há efeito sem causa. Procurai a causa de tudo o que não é obra do homem e a vossa razão responderá."

Para crer-se em Deus, basta se lance o olhar sobre as obras da Criação. O Universo existe, logo tem uma causa. Duvidar da existência de Deus é negar que todo efeito tem uma causa e avançar que o nada pôde fazer alguma coisa.

 Se fôssemos de fato seguir à risca tal raciocínio, então o fato de encontrarmos Deus tornaria obrigatório haver um Deus anterior, inclusive mais forte, que o houvesse criado também.

 

Em que é que, na causa primária, se revela uma inteligência suprema e superior a todas as inteligências?
"Tendes um provérbio que diz: Pela obra se reconhece o autor. Pois bem! Vede a obra e procurai o autor. O orgulho é que gera a incredulidade. O homem orgulhoso nada admite acima de si. Por isso é que ele se denomina a si mesmo de espírito forte. Pobre ser, que um sopro de Deus pode abater!"

Do poder de uma inteligência se julga pelas suas obras. Não podendo nenhum ser humano criar o que a Natureza produz, a causa primária é, conseguintemente, uma inteligência superior à Humanidade. Quaisquer que sejam os prodígios que a inteligência humana tenha operado, ela própria tem uma causa e, quanto maior for o que opere, tanto maior há de ser a causa primária. Aquela inteligência superior é que é a causa primária de todas as coisas, seja qual for o nome que lhe dêem.

 Idem ao comentário anterior.

 

Página 54
Quando dizemos que Deus é eterno, infinito, imutável, imaterial, único, onipotente, soberanamente justo e bom, temos idéia completa de seus atributos?
"Do vosso ponto de vista, sim, porque credes abranger tudo. Sabei, porém, que há coisas que estão acima da inteligência do homem mais inteligente, as quais a vossa linguagem, restrita às vossas idéias e sensações, não tem meios de exprimir. A razão, com efeito, vos diz que Deus deve possuir em grau supremo essas perfeições, porquanto, se uma lhe faltasse, ou não fosse infinita, já ele não seria superior a tudo, não seria, por conseguinte, Deus. Para estar acima de todas as coisas, Deus tem que se achar isento de qualquer vicissitude e de qualquer das imperfeições que a imaginação possa conceber."

 Novamente a questão da exigência exagerada com relação a Deus. Será que se um dia descobrirmos que Deus existe de fato mas tem alguns defeitos, o rejeitaremos? Rejeitaremos o Pai? Que vergonha...

 

Página 65
Serão os cometas, como agora se pensa, um começo de condensação da matéria, mundos em via de formação?
"Isso está certo; absurdo, porém, é acreditar-se na influência deles. Refiro-me à influência que vulgarmente lhes atribuem, porquanto todos os corpos celestes influem de algum modo em certos fenômenos físicos."

Poder-se-á conhecer o tempo que dura a formação dos mundos: da Terra, por exemplo?
"Nada te posso dizer a respeito, porque só o Criador o sabe e bem louco será quem pretenda sabê-lo, ou conhecer que número de séculos dura essa formação."

Donde vieram para a Terra os seres vivos?
"A Terra lhes continha os germens, que aguardavam momento favorável para se desenvolverem. Os princípios orgânicos se congregaram, desde que cessou a atuação da força que os mantinha afastados, e formaram os germens de todos os seres vivos. Estes germens permaneceram em estado latente de inércia, como a crisálida e as sementes das plantas, até o momento propício ao surto de cada espécie. Os seres de cada uma destas se reuniram, então, e se multiplicaram."

 Vejam, os cometas não são necessariamente começo de formação de nada. Podem, a princípio, ficar vagando "ad infinitum". O tempo de criação dos mundos atualmente é bem conhecido, donde concluo ser um erro o dito acima pelos "espíritos superiores". Igualmente, sobre a origem das espécies, o que é dito acima (e abaixo) é a teoria da geração espontânea. Novamente os espíritos parecem ter errado.

 

Página 66
Ainda há seres que nasçam espontaneamente?
"Sim, mas o gérmen primitivo já existia em estado latente. Sois todos os dias testemunhas desse fenômeno. Os tecidos do corpo humano e do dos animais não encerram os germens de uma multidão de vermes que só esperam, para desabrochar, a fermentação pútrida que lhes é necessária à existência? É um mundo minúsculo que dormita e se cria."

 Esse erro acima é deveras grave. Espíritos Superiores estão afirmando que as larvas que aparecem na carne apodrecendo são fruto da própria carne, e não de ovos de moscas, etc. Tais "vermes", ou melhor, larvas, são na verdade oriundos dos ovos deixados pelos insetos, de acordo com o atual conhecimento científico. Cabe ressaltar também que os vermes que de fato existem (por vezes) dentro de nós, que são os vermes intestinais, na verdade morrem quando nós morremos. A ciência atual não admite sequer que organismos tão simples quanto células surjam por geração espontânea (apesar de em algum momento no passado isso ter forçosamente ocorrido, quando da origem das primeiras células há uns três bilhões de anos atrás).

 

Página 67
A espécie humana se encontrava entre os elementos orgânicos contidos no globo terrestre?
"Sim, e veio a seu tempo. Foi o que deu lugar a que se dissesse que o homem se formou do limo da terra."

Poderemos conhecer a época do aparecimento do homem e dos outros seres vivos na Terra?
"Não; todos os vossos cálculos são quiméricos."

 Novamente os erros já cometidos acima.

 

Página 68
O homem surgiu em muitos pontos do globo?
"Sim e em épocas várias, o que também constitui uma das causas da diversidade das raças. Depois, dispersando-se os homens por climas diversos e aliando-se os de uma aos de outras raças, novos tipos se formaram."

Não houve fusão de espécies no caso humano (e nem eu conheço nenhum caso assim, salvo em endossimbiose de organismos unicelulares). E a origem das diversas raças humanas difere do que é exposto acima.

Adendo explicativo introduzido em 12 de setembro de 2012. Do jeito que está colocada ao vermos em conjunto as respostas às perguntas 65, 66, 67 e 68, a informação que os "espíritos" trazem sobre o aparecimento do homem na Terra parece ser a seguinte:
- Havia germens formadores de seres humanos, germens esses que permaneceram durante um bom tempo em estado latente, como crisálidas, e no tempo correto eclodiram (ou algo similar a isso) dando origem aos indivíduos humanos.
- Cada espécie animal teve origem similar a essa acima. Ou seja, formou-se na natureza gérmens para cada espécie, e tais gérmens "eclodiram" no momento adequado. Ou seja: as espécies não se originaram de um ponto comum, e não provém uma das outras. Não há o desenvolvimento (surgimento) ramificado das espécies, e sim o desenvolvimento em paralelo.
- No caso humano (e possivelmente em muitas outras espécies também), gérmens eclodiram em diversos pontos do Globo Terrestre. Isso seria uma das explicações para as raças humanas. Por exemplo: na Nigéria, gérmens de raças negras de pele bem escura eclodiram; no Japão, gérmens de homens bem branquinhos com olhinhos puxados; na América do Norte, gérmens de homens com pele avermelhada; e assim por diante. Ou seja, o homem apareceu em diversos pontos do Globo dessa maneira. Provavelmente os indivíduos de cada uma dessas raças, no início, relacionaram-se (sexualmente/reprodutivamente) apenas entre si, ou seja, não houve mistura de raças no início (devido à lógica dificuldade das distâncias geográficas). Posteriormente, indivíduos de raças diferentes se encontraram, e copularam, dando origem a misturas de raças.

Pelo que "reza" a visão científica atual, isso acima está totalmente errado! A espécie humana teria evoluído de espécies anteriores. Viemos de seres parecidos com macacos, e anteriormente disso de seres parecidos com lêmures, e anteriormente de formas mais primitivas de mamíferos, e anteriormente de répteis, e anteriormente de anfíbios, e antes disso de peixes, e etc, etc, etc, regredindo até aos microorganismos.

No início desse quadro eu disse que não houve fusão de espécies no caso humano. Acontece que os "espíritos" não estavam dizendo que tenha havido fusão de espécies, e sim fusão de raças. Fusão de raças houve e há.

Quanto à fusão de espécies, tem se falado um bocado sobre a fusão de espécies do gênero Homo. O Homo neanderthalensis teria cruzado com o Homo sapiens, e coisas assim. Na verdade isso se deve mais ao problema da definição de espécie em si. Se a definição de espécie animal for a que postula a impossibilidade de cruzamento entre espécies com geração de descendente fértil, então não há como o homem ter se cruzado com outras espécies. O que ocorre é que a distância evolutiva entre o Homo sapiens e o Homo neanderthalensis não é grande o suficiente para gerar uma barreira à reprodução com geração de descendentes férteis. Ou seja, pode-se considerar o Homo sapiens e o Homo neanderthalensis como uma mesma espécie (se for utilizado o critério citado logo acima).

Enfim, as definições são secundárias. O importante é que entendamos o que se acredita ter ocorrido.

 

Página 69
São habitados
todos os globos que se movem no espaço?
"Sim e o homem terreno está longe de ser, como supõe, o primeiro em inteligência, em bondade e em perfeição. Entretanto, há homens que se têm por espíritos muito fortes e que imaginam pertencer a este pequenino globo o privilégio de conter seres racionais. Orgulho e vaidade! Julgam que só para eles criou Deus o Universo."

 Vejam: "Todos os globos são habitados"! Esse é o grande problema, e o claro erro, desse trecho.

 

Página 72-73
O cruzamento das raças dá origem aos tipos intermediários. Ele tende a apagar os caracteres extremos, mas não os cria; apenas produz variedades. Ora, para que tenha havido cruzamento de raças, preciso era que houvesse raças distintas. Como, porém, se explicará a existência delas, atribuindo-se-lhes uma origem comum e, sobretudo, tão pouco afastada? Como se há de admitir que, em poucos séculos, alguns descendentes de Noé se tenham transformado ao ponto de produzirem a raça etíope, por exemplo? Tão pouco admissível é semelhante metamorfose, quanto a hipótese de uma origem comum para o lobo e o cordeiro, para o elefante e o pulgão, para o pássaro e o peixe. Ainda uma vez: nada pode prevalecer contra a evidência dos fatos.

 É interessante que justamente Kardec, que defendia a idéia de que o espírito humano provinha de encarnações anteriores em espíritos de animais, tenha demorado tanto a aceitar a evolução darwinista (espécies se originando de espécies anteriores). Ele contudo aceitou isso mais claramente no livro A Gênese, conforme veremos mais àfrente.

 

Página 80
Os Espíritos são seres distintos da Divindade, ou serão simples emanações ou porções desta e, por isto, denominados filhos de Deus?
"Meu Deus! São obra de Deus, exatamente qual a máquina o é do homem que a fabrica. A máquina é obra do homem, não é o próprio homem. Sabes que, quando faz alguma coisa bela, útil, o homem lhe chama sua filha, criação sua. Pois bem! O mesmo se dá com relação a Deus: somos seus filhos, pois que somos obra sua."

 Horror ao panteísmo... O kardecismo incorria em aceitações não devidamente embasadas, e em rejeições igualmente não devidamente embasadas.

 

Página 81
Os Espíritos tiveram princípio, ou existem, como Deus, de toda a eternidade?
"Se não tivessem tido princípio, seriam iguais a Deus, quando, ao invés, são criação sua e se acham submetidos à sua vontade. Deus existe de toda a eternidade, é incontestável. Quanto, porém, ao modo por que nos criou e em que momento o fez, nada sabemos. Podes dizer que não tivemos princípio, se quiseres com isso significar que, sendo eterno, Deus há de ter sempre criado ininterruptamente. Mas, quando e como cada um de nós foi feito, repito-te, nenhum o sabe: aí é que está o mistério."

Será certo dizer-se que os Espíritos são imateriais?
"Como se pode definir uma coisa, quando faltam termos de comparação e com uma linguagem deficiente? Pode um cego de nascença definir a luz? Imaterial não é bem o termo; incorpóreo seria mais exato, pois deves compreender que, sendo uma criação, o Espírito há de ser alguma coisa. É a matéria quintessenciada, mas sem analogia para vós outros, e tão etérea que escapa inteiramente ao alcance dos vossos sentidos."

 Esse é um ponto interessantíssimo. Afirmam que o espírito é matéria, só que de um tipo diferente, diferente inclusive do perispírito (mesmo do mais sutil deles). Penso que o kardecismo rumava para o monismo, e provavelmente talvez mesmo para o panteísmo (ou melhor: o pampsiquismo). Mas mesmo se Kardec tivesse vivido bem mais, creio que teria sido difícil ele chegar a aceitar o monismo e o pampsiquismo.

 

Página 83
Qual dos dois, o mundo espírita ou o mundo corpóreo, é o principal, na ordem das coisas?
"O mundo espírita, que preexiste e sobrevive a tudo."

O mundo corporal poderia deixar de existir, ou nunca ter existido, sem que isso alterasse a essência do mundo espírita?
"Decerto. Eles são independentes; contudo, é incessante a correlação entre ambos, porquanto um sobre o outro incessantemente reagem."

 Novamente a questão da supremacia do mundo espiritual.

 

Página 89
Com o auxílio desse quadro, fácil será determinar-se a ordem, assim como o grau de superioridade ou de inferioridade dos que possam entrar em relações conosco e, por conseguinte, o grau de confiança ou de estima que mereçam.

 De novo, a questão da confiança excessiva na capacidade de identificarmos os bons e os maus espíritos.

 

Página 90
Na linguagem de que usam se lhes revela o caráter. Todo Espírito que, em suas comunicações, trai um mau pensamento, pode ser classificado na terceira ordem.

 No texto do arquivo kardec1.htm, eu usei tal critério acima para classificar São Luís e Erasto como espíritos inferiores.

 

Página 96
Haverá Espíritos que se conservem eternamente nas ordens inferiores?
"Não; todos se tornarão perfeitos. Mudam de ordem, mas demoradamente, porquanto, como já doutra vez dissemos, um pai justo e misericordioso não pode banir seus filhos para sempre. Pretenderias que Deus, tão grande, tão bom, tão justo, fosse pior do que vós mesmos?"

 Na verdade, se de fato há o livre arbítrio defendido por Kardec, deveríamos esperar que alguns espíritos permanecessem por muitos bilhões de anos na condição de espíritos inferiores.

 

Página 97
Por que é que alguns Espíritos seguiram o caminho do bem e outros o do mal?
"Não têm eles o livre-arbítrio? Deus não os criou maus; criou-os simples e ignorantes, isto é, tendo tanta aptidão para o bem quanta para o mal. Os que são maus, assim se tornaram por vontade própria."

 Esse é um dos pontos mais estranhos e mal avaliados da doutrina kardecista. Deus deve mesmo ficar bem confuso com sua obra... Ele cria os espíritos exatamente iguais, submete eles exatamente às mesmas condições, e cada um faz uma coisa diferente! Parece até haver algum grave erro no "Departamento de Controle de Qualidade" (imaginem quem deve ser o diretor desse departamento...). O problema com o livre arbítrio é que nós sabemos que duas pessoas extremamente parecidas em duas situações extremamente parecidas tomarão decisões relativametne parecidas, mesmo dispondo de livre arbítrio. Como podem duas pessoas absolutamente idênticas tomarem diante de duas situações absolutamente idênticas atitudes diferentes? Isso equivale a dizer que a mesma pessoa, se ela viver exatamente a mesma situação (se Deus fizer ela voltar no tempo ou se Deus pôr o Universo para funcionar desde o início de novo), tomará atitudes diferentes. Isso torna nossas ações fruto da aleatoriedade máxima. Nosso único mérito é o acaso...

 

Página 99
Os Espíritos são criados iguais quanto às faculdades intelectuais?
"São criados iguais, porém, não sabendo donde vêm, preciso é que o livre-arbítrio siga seu curso. Eles progridem mais ou menos rapidamente em inteligência como em moralidade."

Os Espíritos que desde o princípio seguem o caminho do bem nem por isso são Espíritos perfeitos. Não têm, é certo, maus pendores, mas precisam adquirir a experiência e os conhecimentos indispensáveis para alcançar a perfeição. Podemos compará-los a crianças que, seja qual for a bondade de seus instintos naturais, necessitam de se desenvolver e esclarecer e que não passam, sem transição, da infância à madureza. Simplesmente, assim como há homens que são bons e outros que são maus desde a infância, também há Espíritos que são bons ou maus desde a origem, com a diferença capital de que a criança tem instintos já inteiramente formados, enquanto que o Espírito, ao formar-se, não é nem bom, nem mau; tem todas as tendências e toma uma ou outra direção, por efeito do seu livre-arbítrio.

 Kardec quer explicar os diferentes caminhos tomados pelos espíritos recorrendo à comparação com o que ocorre com as crianças. Acontece que as crianças são, de acordo com o kardecismo, diferentes entre si. A comparação é indevida.

 

Página 128
Segundo os Espíritos, de todos os mundos que compõem o nosso sistema planetário, a Terra é dos de habitantes menos adiantados, física e moralmente. Marte lhe estaria ainda abaixo, sendo-lhe Júpiter superior de muito, a todos os respeitos. O Sol não seria mundo habitado por seres corpóreos, mas simplesmente um lugar de reunião dos Espíritos superiores, os quais de lá irradiam seus pensamentos para os outros mundos, que eles dirigem por intermédio de Espíritos menos elevados, transmitindo-os a estes por meio do fluido universal. Considerado do ponto de vista da sua constituição física, o Sol seria um foco de eletricidade. Todos os sóis como que estariam em situação análoga.

 Esse também parece ser um ponto muito errado na revelação kardecista. Falam inclusive em detalhes, na Revue Spirite, sobre como é a vida dos espíritos nos outros planetas, etc (Marte, Vênus, Júpiter). Tudo aparentemente errado.

 

Página 132
Não podendo os Espíritos aperfeiçoar-se, a não ser por meio das tribulações da existência corpórea, segue-se que a vida material seja uma espécie de crisol ou de depurador, por onde têm que passar todos os seres do mundo espírita para alcançarem a perfeição?
"Sim, é exatamente isso. Eles se melhoram nessas provas, evitando o mal e praticando o bem; porém, somente ao cabo de mais ou menos longo tempo, conforme os esforços que empreguem; somente após muitas encarnações ou depurações sucessivas, atingem a finalidade para que tendem."

a) — É o corpo que influi sobre o Espírito para que este se melhore, ou o Espírito que influi sobre o corpo?
"Teu Espírito é tudo; teu corpo é simples veste que apodrece: eis tudo."

 O corpo é necessário, mas o espírito é tudo... Um tudo que sem o corpo não é nada (não pode se aperfeiçoar). Estranho...

 

Página 169
Todos, porém, assim os inferiores como os superiores, não ouvem, nem sentem, senão o que queiram ouvir ou sentir. Não possuindo órgãos sensitivos, eles podem, livremente, tornar ativas ou nulas suas percepções.

 Ponto interessante. Para decidir não ouvir, o espírito tem que saber do que se trata. E nisso já está ouvindo (especialmente os superiores...). A meu ver contraditório.

 

Página 203
Qual a origem das qualidades morais, boas ou más, do homem?
"São as do Espírito nele encarnado. Quanto mais puro é esse Espírito, tanto mais propenso ao bem é o homem."

a) — Seguir-se-á daí que o homem de bem é a encarnação de um bom Espírito e o homem vicioso a de um Espírito mau?
"Sim, mas, dize antes que o homem vicioso é a encarnação de um Espírito imperfeito, pois, do contrário, poderias fazer crer na existência de Espíritos sempre maus, a que chamais demônios."

 Novamente a idéia de minimizar a importância do corpo sobre a moral do homem.

 

Página 207
Que objetivo visa a Providência criando seres desgraçados, como os cretinos e os idiotas?
"Os que habitam corpos de idiotas são Espíritos sujeitos a uma punição. Sofrem por efeito do constrangimento que experimentam e da impossibilidade em que estão de se manifestarem mediante órgãos não desenvolvidos ou desmantelados."

a) — Não há, pois, fundamento para dizer-se que os órgãos nada influem sobre as faculdades?
"Nunca dissemos que os órgãos não têm influência. Têm-na muito grande sobre a manifestação das faculdades, mas não são eles a origem destas. Aqui está a diferença. Um músico excelente, com um instrumento defeituoso, não dará a ouvir boa música, o que não fará que deixe de ser bom músico."

Importa se distinga o estado normal do estado patológico. No primeiro, o moral vence os obstáculos que a matéria lhe opõe. Há, porém, casos em que a matéria oferece tal resistência que as manifestações anímicas ficam obstadas ou desnaturadas, como nos de idiotismo e de loucura. São casos patológicos e, não gozando nesse estado a alma de toda a sua liberdade, a própria leihumana a isenta da responsabilidade de seus atos.

 Acima eles ressaltam a diferença entre os estados normais e patológicos. A mim isso parece estranho. O maior problema do dito acima é a estigmatização dos idiotas, que estariam sendo punidos por erros em vidas anteriores. Me parece uma doutrina temerária.

 

Página 210
Há um fato de observação, que apóia esta resposta. Os sonhos, numa criança, não apresentam o caráter dos de um adulto. Quase sempre pueril é o objeto dos sonhos infantis, o que indica de que natureza são a s preocupações do respectivo Espírito.

 Kardec, por não conhecer crianças (não tinha filhos), julga que os sonhos delas são pueris, enquanto os sonhos do homem adulto seriam sonhos maduros... Não há diferença (que eu saiba) entre os sonhos das crianças e dos adultos. Ambos são igualmente puerís ou não.

 

Página 272
b) — Concebemos perfeitamente que a vontade de Deus seja a causa primária, nisto como em tudo; porém, sabendo que os Espíritos exercem ação sobre a matéria e que são os agentes da vontade de Deus, perguntamos se alguns dentre eles não exercerão certa influência sobre os elementos para os agitar, acalmar ou dirigir?
"Mas, evidentemente. Nem poderia ser de outro modo. Deus não exerce ação direta sobre a matéria. Ele encontra agentes dedicados em todos os graus da escala dos mundos."

 Os espíritos atuando sobre a matéria, como uma das potências do mundo físico.

 

Página 274
"Primeiramente, executam. Mais tarde, quando suas inteligências já houverem alcançado um certo desenvolvimento, ordenarão e dirigirão as coisas do mundo material. Depois, poderão dirigir as do mundo moral. É assim que tudo serve, que tudo se encadeia na Natureza, desde o átomo primitivo até o arcanjo, que também começou por ser átomo. Admirável lei de harmonia, que o vosso acanhado espírito ainda não pode apreender em seu conjunto!"

 Esse trecho extende um pouco o trecho mais acima.

 

Página 289
De que natureza será a missão do conquistador que apenas visa satisfazer à sua ambição e que, para alcançar esse objetivo, não vacila ante nenhuma das calamidades que vai espalhando?
"As mais das vezes não passa de um instrumento de que se serve Deus para cumprimento de seus desígnios, representando essas calamidades um meio de que ele se utiliza para fazer que um povo progrida mais rapidamente."

 O invasor de uma nação, que dizima povos, está ajudando na evolução de tais povos! A meu ver, erro.

 

Página 310
Estando sujeito ao erro, não pode o homem enganar-se na apreciação do bem e do mal e crer que pratica o bem quando em realidade pratica o mal?
"Jesus disse: vede o que queríeis que vos fizessem ou não vos fizessem. Tudo se resume nisso. Não vos enganareis."

 Essa é a chamada "Regra de Ouro". Contudo, até ela possui problemas. Um masoquista vai querer para os outros o sofrimento que o faz feliz. Nem sempre o que é bom para nós é bom para os outros.

 

Página 332
Indo sempre a população na progressão crescente que vemos, chegará tempo em que seja excessiva na Terra?
"Não, Deus a isso provê e mantém sempre o equilíbrio. Ele coisa alguma inútil faz. O homem, que apenas vê um canto do quadro da Natureza, não pode julgar da harmonia do conjunto."

 A meu ver, grave erro.

 

Página 334
São contrários
à lei da Natureza as leis e os costumes humanos que têm por fim ou por efeito criar obstáculos à reprodução?
"Tudo o que embaraça a Natureza em sua marcha é contrário à lei geral."

Que se deve pensar dos usos, cujo efeito consiste em obstar à reprodução, para satisfação da sensualidade?
"Isso prova a predominância do corpo sobre a alma e quanto o homem é material."

 Tais "espíritos" (aliás, se manifestando através de moças virgens, ainda solteiras e jovens) parecem pouco saber sobre o quanto o amor sensual é emocionalmente construtivo. Muito Superiores...

 

Página 348
Com que fim fere Deus a Humanidade por meio de flagelos destruidores?
"Para fazê-la progredir mais depressa. Já não dissemos ser a destruição uma necessidade para a regeneração moral dos Espíritos, que, em cada nova existência, sobem um degrau na escala do aperfeiçoamento? Preciso é que se veja o objetivo, para que os resultados possam ser apreciados. Somente do vosso ponto de vista pessoal os apreciais; daí vem que os qualificais de flagelos, por efeito do prejuízo que vos causam. Essas subversões, porém, são freqüentemente necessárias para que mais pronto se dê o advento de uma melhor ordem de coisas e para que se realize em alguns anos o que teria exigido muitos séculos." (744)

 Evolução Espiritual na Base da Chibata.

 

Página 351
Que objetivou a Providência, tornando necessária a guerra?
"A liberdade e o progresso."

a) — Desde que a guerra deve ter por efeito produzir o advento da liberdade, como pode freqüentemente ter por objetivo e resultado a escravização?
"Escravização temporária, para esmagar os povos, a fim de fazê-los progredir mais depressa."

 A meu ver, erro gravíssimo dos Espíritos Superiores acima.

 

Página 372
O Espiritismo se tornará crença comum, ou ficará sendo partilhado, como crença, apenas por algumas pessoas?
"Certamente que se tornará crença geral e marcará nova era na história da humanidade, porque está na natureza e chegou o tempo em que ocupará lugar entre os conhecimentos humanos.

 Estamos esperando por isso ainda...

 

Página 373
De que maneira pode o Espiritismo contribuir para o progresso?
"Destruindo o materialismo, que é uma das chagas da sociedade, ele faz que os homens compreendam onde se encontram seus verdadeiros interesses. Deixando a vida futura de estar velada pela dúvida, o homem perceberá melhor que, por meio do presente, lhe é dado preparar o seu futuro. Abolindo os prejuízos de seitas, castas e cores, ensina aos homens a grande solidariedade que os há de unir como irmãos."

 Coitados dos materialistas. Em todo o caso, por vezes o kardecismo é mais fraterno com os materialistas. Pessoalmente, tenho grande respeito e admiração mesmo pelo materialismo. (Apesar de não ser "a minha praia").

 

Página 388
Não constituem obstáculos ao exercício do livre-arbítrio as predisposições instintivas que o homem já traz consigo ao nascer?
"As predisposições instintivas são as do Espírito antes de encarnar. Conforme seja este mais ou menos adiantado, elas podem arrastá-lo à prática de atos repreensíveis, no que será secundado pelos Espíritos que simpatizam com essas disposições. Não há, porém, arrastamento irresistível, uma vez que se tenha a vontade de resistir. Lembrai-vos de que querer é poder." (361)

 Vejam: não há arrastamento irresistível. Essa é uma questão muito complicada e temerária.

 

Página 391
Algumas pessoas só escapam de um perigo mortal para cair em outro. Parece que não podiam escapar da morte. Não há nisso fatalidade?
"Fatal, no verdadeiro sentido da palavra, só o instante da morte o é. Chegado esse momento, de uma forma ou doutra, a ele não podeis furtar-vos."

a) — Assim, qualquer que seja o perigo que nos ameace, se a hora da morte ainda não chegou, não morreremos?
"Não; não perecerás e tens disso milhares de exemplos. Quando, porém, soe a hora da tua partida, nada poderá impedir que partas. Deus sabe de antemão de que gênero será a morte do homem e muitas vezes seu Espírito também o sabe, por lhe ter sido isso revelado, quando escolheu tal ou qual existência."

 A doutrina kardecista está dizendo o seguinte: entre na frente do trem que, se não for tua hora, tu não vai morrer. Atire na cabeça do teu pai, que, se não for a hora dele, ele não morrerá. Se ninguém morre na hora errada, então por quê somos criminosos ao matar alguém? Só por causa da intenção? Mas a intenção por vezes temos até em sonhos, ou em pensamentos. Será igual o karma de quem mata e o de quem pensou uma vez em matar?

 

Página 397
Pois que Deus tudo sabe, não ignora se um homem sucumbirá ou não em determinada prova. Assim sendo, qual a necessidade dessa prova, uma vez que nada acrescentará ao que Deus já sabe a respeito desse homem?
"Isso equivale a perguntar por que não criou Deus o homem perfeito e acabado (119); por que passa o homem pela infância, antes de chegar à condição de adulto (379). A prova não tem por fim dar a Deus esclarecimentos sobre o homem, pois que Deus sabe perfeitamente o que ele vale, mas dar ao homem toda a responsabilidade de sua ação, uma vez que tem a liberdade de fazer ou não fazer. Dotado da faculdade de escolher entre o bem e o mal, a prova tem por efeito pô-lo em luta com as tentações do mal e conferir-lhe todo o mérito da resistência. Ora, conquanto saiba de antemão se ele se sairá bem ou não, Deus não o pode, em sua justiça, punir, nem recompensar, por um ato ainda não praticado." (258)

A visão kardecista é de que Deus sabe exatamente tudo que acontecerá conosco, e todas as decisões que tomaremos. E isso apesar dos seres totalmente idênticos por ele criados (ou seja, nós) tomarem decisões totalmente diferentes diante das mesmíssimas situações...

 

Página 415
Incorre em culpa o homem, por estudar os defeitos alheios?
"Incorrerá em grande culpa, se o fizer para os criticar e divulgar, porque será faltar com a caridade. Se o fizer, para tirar daí proveito, para evitá-los, tal estudo poderá ser-lhe de alguma utilidade. Importa, porém, não esquecer que a indulgência para com os defeitos de outrem é uma das virtudes contidas na caridade. Antes de censurardes as imperfeições dos outros, vede se de vós não poderão dizer o mesmo. Tratai, pois, de possuir as qualidades opostas aos defeitos que criticais no vosso semelhante.

 Esse trecho acima é pra mim... No caso pro Kardec também, porque ele estava buscando sondar os defeitos alheios. Tentemos então, eu e Kardec, fazer isso com o máximo de respeito, humildade, e espírito construtivo.

 

Página 418
Poderia sempre o homem, pelos seus esforços, vencer as suas más inclinações?
"Sim, e, freqüentemente, fazendo esforços muito insignificantes. O que lhe falta é a vontade. Ah! quão poucos dentre vós fazem esforços!"

Não haverá paixões tão vivas e irresistíveis, que a vontade seja impotente para dominá-las?
"Há muitas pessoas que dizem: Quero, mas a vontade só lhes está nos lábios. Querem, porém muito satisfeitas ficam que não seja como ‘querem’. Quando o homem crê que não pode vencer as suas paixões, é que seu Espírito se compraz nelas, em conseqüência da sua inferioridade. Compreende a sua natureza espiritual aquele que as procura reprimir. Vencê-las é, para ele, uma vitória do Espírito sobre a matéria."

 Querer é poder... Acho que o kardecismo estava muitíssimo mais longe de um bom entendimento da psiquê humana do que estamos atualmente.

 

Página 439
Donde nasce o desgosto da vida, que, sem motivos plausíveis, se apodera de certos indivíduos?
"Efeito da ociosidade, da falta de fé e, também, da saciedade.

Que se deve pensar do suicídio que tem como causa o desgosto da vida?
"Insensatos! Por que não trabalhavam? A existência não lhes teria sido tão pesada."

E do suicídio cujo fim é fugir, aquele que o comete, às misérias e às decepções deste mundo?
"Pobres Espíritos, que não têm a coragem de suportar as misérias da existência! Deus ajuda aos que sofrem e não aos que carecem de energia e de coragem.

 "Por quê não trabalhavam?". Esse trecho me lembra até a Maria Antoniêta se referindo aos pobres da França: "Como têm fome? Se falta pão, por quê não comem bolo?". O fato é que quase todos nós temos horror não só ao suicídio como aos suicidas.

 

Página 442

Comete suicídio o homem que perece vítima de paixões que ele sabia lhe haviam de apressar o fim, porém a que já não podia resistir, por havê-las o hábito mudado em verdadeiras necessidades físicas?
"É um suicídio moral. Não percebeis que, nesse caso, o homem é duplamente culpado? Há nele então falta de coragem e bestialidade, acrescidas do esquecimento de Deus."

Será condenável uma imprudência que compromete a vida sem necessidade?
"Não há culpabilidade, em não havendo intenção, ou consciência perfeita da prática do mal."

 Se ao participar de um "racha" (corrida de carro nas ruas da cidade) ilegal você matar alguém, não há culpa. Nem há culpa no filho bêbado do ministro dos transportes que atropelou e matou, nem talvez aqueles rapazes que atearam fogo ao índio Gaudino. Nada de culpa.

 

Página 451
As comunicações espíritas tiveram como resultado mostrar o estado futuro da alma, não mais em teoria, porém na realidade. Põem-nos diante dos olhos todas as peripécias da vida de além-túmulo.

 Atestado da credulidade de Kardec na veracidade incontestável do que lhe era "revelado".

 

Página 464
Poderão durar eternamente os sofrimentos do Espírito?
"Poderiam, se ele pudesse ser eternamente mau, isto é, se jamais se arrependesse e melhorasse, sofreria eternamente. Mas, Deus não criou seres tendo por destino permanecerem votados perpetuamente ao mal.

 Novamente a mesma questão citada mais acima. Se de fato há livre arbítrio como defendido por Kardec, então seria de se esperar que alguns espíritos permanecessem muitos bilhões de anos nas fieiras do mal.

 

Página 469
Outra contradição. Pois que Deus tudo sabe, sabia, ao criar uma alma, se esta viria a falir ou não. Ela, pois, desde a sua formação, foi destinada à desgraça eterna. Será isto possível, racional? Com a doutrina das penas relativas, tudo se justifica. Deus sabia, sem dúvida, que ela faliria, mas lhe deu meios de se instruir pela sua própria experiência, mediante suas próprias faltas.

 Como Deus sabia disso se a alma era igualzinha às outras?

 

Página 477
assim como a solução dos problemas que nenhuma filosofia pudera ainda resolver. Apelo para todos os adversários de boa-fé e os adjuro a que digam se se deram ao trabalho de estudar o que criticam. Porque, em boa lógica, a crítica só tem valor quando o crítico é conhecedor daquilo de que fala.

 Infelizmente Kardec carecia de bons críticos. Contudo ele também por vezes deixou de ouvir a boas críticas e questionamentos.

 

Página 484
Longe de se opor à difusão da luz, deseja-a para todo o mundo. Não reclama crença cega; quer que o homem saiba por que crê.

 Melhor seria dizer que "Em nossa Doutrina, o homem crê porque sabe". Mas, no kardecismo, não se conseguiu ir além do "saber por que se crê"...

 

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O Que é O Espiritismo. 38a Edição, 1997, Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira.

Página 17
(Da biografia de allan kardec, de Henri Sausse)

"um dos primeiros resultados das minhas observações foi que os Espíritos, não sendo senão a alma dos homens, não tinham nem a soberana sabedoria, nem a soberana ciência;
Eu, pois, agi com os Espíritos como o teria feito com os homens: eles foram, para mim, desde o menor até o mais elevado, meios de colher informações e não reveladores predestinados".

 Isso é de fato uma característica marcante. Kardec não se mostrou submisso aos espíritos, não podou seu raciocínio. Muitas das luzes lógicas do kardecismo se devem a isso.

 

Página 21
- Lê da terceira à trigésima linha e reconhecerás um grave erro.

 É uma pena que Kardec não tenha relatado que erro era esse, e mais, que não tenha exposto todo o texto para que pudéssemos avaliar até que ponto isso foi de fato uma revelação extraordinária ou, ao invés, apenas uma validação subjetiva da parte dele (ele pode ter identificado uma parte nesse trecho que julgou ser o erro que o espírito falava, quando na verdade o espírito teria apenas chutado o palpite).

 

Página 78
Deixai passar esta geração, levando os prejuízos do seu obstinado amor-próprio, e vereis que se há de dar com o Espiritismo o mesmo que se deu com outras tantas verdades, tão combatidas e de que hoje seria ridículo duvidar.

 Estamos esperando...

 

Página 83
"Se todo efeito tem uma causa, o efeito inteligente tem uma causa inteligente."

 Então, Deus foi feito por outro Deus ainda mais poderoso (ou pelo menos tão poderoso quanto).

 

Página 85
Será por efeito sonambúlico que certo médium desenhou, um dia, em minha casa e na presença de vinte testemunhas, o retrato de uma jovem, morta havia desoito meses e a quem ele não conhecera, retrato reconhecido pelo próprio pai da jovem, presente à esta sessão?

 Isso pode de fato ter sido um fato extraordinário, até mesmo sugestivo de vida pós morte. Infelizmente, Kardec não relata tais coisas a fundo. Ele é muito pobre ao fornecer detalhes observacionais. Talvez o jovem de fato conhecesse a moça. Será que o jovem e o pai da moça não se conheciam? Eles eram de fato bem conhecidos de Kardec? Detalhes importantes que não são passados.

 

Página 86
Dizem, ainda, que os médiuns só falam com clareza daquilo que é conhecido. Como explicar o fato seguinte e cem outros da mesma espécie? - Um dos meus amigos, muito bom médium escrevente, perguntou a um Espírito se uma pessoa que ele tinha perdido de vista, havia quinze anos, era ainda deste mundo.
"Sim, ainda vive, foi-lhe respondido; mora em Paris, rua tal, número tanto."
Ele foi e encontrou a pessoa no local indicado.

 Como saber se o amigo dele não havia, consciente ou inconscientemente, visto a tal pessoa na tal rua? Confiar em Kardec é uma coisa (eu a princípio confio nele), mas confiar nas pessoas que ele comenta (e sobre as quais inclusive ele não dá muitos subsídios) é outra coisa totalmente diferente.

 

Página 97
os Espíritos superiores não se ocupam com essas coisas, assim como os sábios da Terra não se entregam a exercícios de força muscular

 Nessa época, valorizava-se a mente e desprezava-se a mão. Muito mais do que hoje em dia.

 

Página 130
Mais bem observado depois que se vulgarizou
, o Espiritismo vem derramar luz sobre grande número de questões, até hoje insolúveis ou mal compreendidas. Seu verdadeiro caráter é, pois, o de uma ciência e não de uma religião; e a prova disso é que ele conta entre seus aderentes homens de todas as crenças, que por esse fato não renunciaram às suas convicções: católicos fervorosos que não deixam de praticar todos os deveres do seu culto, quando a Igreja os não repele; protestantes de todas as seitas, israelitas, muçulmanos e mesmo budistas e bramanistas.

 Isso é um dado verdadeiro e curioso. Havia espíritas de diversas religiões. Daí a estranheza de perceber o espiritismo como uma religião então.

 

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O Livro dos Médiuns. 62a Edição. 1996. Rio de Janeiro. Federação Espírita Brasileira.

Página 16
os Espíritos a corrigiram, com particular cuidado. Como reviram tudo, aprovando-a, ou modificando-a à sua vontade, pode dizer-se que ela é, em grande parte, obra deles, porquanto a intervenção que tiveram não se limitou aos artigos que trazem assinaturas.

 Kardec atesta a confiabilidade da obra, e a fidedignidade com o pensamento dos espíritos superiores.

 

Página 23
Não conhecemos a natureza íntima do perispírito. Suponhamo-lo, todavia, formado de matéria elétrica, ou de outra tão sutil quanto esta: por que, quando dirigido por uma vontade, não teria propriedade idêntica à daquela matéria?

 Esse ponto assinala uma idéia que havia na época, de que os fenômenos mediúnicos eram fruto do magnetismo.

 

Página 32
Assim, o Espiritismo não aceita todos os fatos considerados maravilhosos, ou sobrenaturais. Longe disso, demonstra a impossibilidade de grande número deles e o ridículo de certas crenças, que constituem a superstição propriamente dita.

 Não só o kardecismo prova o que não deveria provar, ele vai além: desprova o que não tem base pra desprovar!

 

Página 33
Entre os fatos qualificados de sobrenaturais, muitos há cuja impossibilidade o Espiritismo demonstra, incluindo-os em o número das crenças supersticiosas.
O Espiritismo não pode considerar crítico sério, senão aquele que tudo tenha visto, estudado e aprofundado com a paciência e a perseverança de um observador consciencioso; que do assunto saiba tanto quanto qualquer adepto instruído; que haja, por conseguinte, haurido seus conhecimentos algures, que não nos romances da ciência; aquele a quem não se possa opor fato algum que lhe seja desconhecido, nenhum argumento de que já não tenha cogitado e cuja refutação faça, não por mera negação, mas por meio de outros argumentos mais peremptórios; aquele, finalmente, que possa indicar, para os fatos averiguados, causa mais lógica do que a que lhes aponta o Espiritismo. Tal crítico ainda está por aparecer.

 Idem ao acima. Somado à exigência imensa com relação aos críticos. Contudo, na prática, Kardec era bem mais razoável, e recebia com honestidade e racionalidade críticas bem construídas, e até as mal construídas.

 

Página 52
Isto pelo que nos diz respeito. Os que desejem tudo conhecer de uma ciência devem necessariamente ler tudo o que se ache escrito sobre a matéria, ou, pelo menos, o que haja de principal, não se limitando a um único autor. Devem mesmo ler o pró e o contra, as críticas como as apologias, inteirar-se dos diferentes sistemas, a fim de poderem julgar por comparação.

 Interessante esse ponto. Kardec recomenda expressamente que se leia os prós e os contras. Muito bom.

 

Página 54
À medida que os fatos se completam e vão sendo mais bem observados, as idéias prematuras se apagam e a unidade se estabelece, pelo menos com relação aos pontos fundamentais, senão a todos os pormenores.

 Atualmente estamos longe disso. Algumas vertentes da umbanda são bem diferentes de outras formas de espiritismo, por exemplo. A unidade se perdeu (e ainda temos Ramatis, etc; sem falar em outros países).

 

Página 55
Demais, pessoas há, cujo caráter afasta toda suspeita de fraude e preciso é não saber absolutamente viver e carecer de toda urbanidade, para que alguém ouse vir dizer-lhe na face que são cúmplices de charlatanismo. O charlatanismo não tem cabimento onde não há especulação.
Sistema da loucura. - Alguns, por condescendência, concordam em pôr de lado a suspeita de embuste. Pretendem então que os que não iludem são iludidos, o que equivale a qualificá-los de imbecis. Quando os incrédulos se abstêm de usar de circunlóquios, declaram, pura e simplesmente, que os que crêem são loucos, atribuindo-se a si mesmos, desse modo e sem cerimônias, o privilégio do bom-senso.

 Acima, a perigosa confiança de Kardec nas pessoas. A loucura, ou similares, é muitas vezes explicação bem possível. Mas é fato que os céticos amíude exageram nas acrobacias explanatórias evasivas...

 

Página 40
Sistema da alucinação. Outra opinião, menos ofensiva essa, por trazer um ligeiro colorido científico, consiste em levar os fenômenos à conta de ilusão dos sentidos. Assim, o observador estaria de muito boa-fé; apenas, julgaria ver o que não vê.

 Isso pode acontecer mesmo, e o próprio Kardec aceita isso. Creio que ele se opõe mais à recusa sistemática dos céticos, somada à falta de disposição de sequer tentar conhecer a evidência.

 

Página 60
o pensamento expresso, não somente pode ser estranho ao dos assistentes, mas que lhes é, muitas vezes, contrário; que contradiz todas as idéias preconcebidas e frustra todas as previsões. Com efeito, difícil me é acreditar que a resposta provenha de mim mesmo, quando, a pensar no branco, se me fala em preto.

 Aqui Kardec demonstra desconhecer o inconsciente (ou subconsciente). A idéia do inconsciente tomou mais corpo a partir do final do século XIX, especialmente na Alemanha, aliás de onde Freud a bebeu.

 

Página 67
Quando se lhes objeta com os fatos de identidade, que atestam, por meio de manifestações escritas, visuais, ou outras, a presença de parentes ou conhecidos dos circunstantes, respondem que é sempre o mesmo Espírito, o diabo, segundo aqueles, o Cristo, segundo estes, que toma todas as formas. Porém, não nos dizem por que motivo os outros Espíritos não se podem comunicar, com que fim o Espírito da Verdade nos viria enganar, apresentando-se sob falsas aparências, iludir uma pobre mãe, fazendo-lhe crer que tem ao seu lado o filho por quem derrama lágrimas. A razão se nega a admitir que o Espírito, entre todos santo, desça a representar semelhante comédia.

 Aqui ele sugere que o Espírito de Verdade é o Cristo.

 

Página 71
opinião dos que consideram distintos a alma e o perispírito. Ela se baseia no ensino dos Espíritos, que nunca divergiam a esse respeito. Referimo-nos aos esclarecidos, porquanto, entre os Espíritos em geral, muitos há que não sabem mais, que sabem mesmo menos do que os homens, ao passo que a teoria contraria é de concepção humana. Não inventamos, nem imaginamos o perispírito, para explicar os fenômenos. Sua existência nos foi revelada pelos Espíritos e a experiência no-la confirmou

 Vejam, "nunca houve divergência a respeito desse ponto". Apenas, é lógico, por parte dos espíritos "não esclarecidos". Como sabemos se um espírito é esclarecido? É fácil. Se ele não diverge da doutrina, então ele é esclarecido... Se diverge, então não é esclarecido. Esse era um dos vícios do método de Kardec...

 

Página 79
Com pequenas diferenças quanto às particularidades e exceção feita das modificações orgânicas exigidas pelo meio em o qual o ser tem que viver, a forma humana se nos depara entre os habitantes de todos os globos. Pelo menos, é o que dizem os Espíritos. Essa igualmente a forma de todos os Espíritos não encarnados, que só têm o perispírito; a com que, em todos os tempos, se representaram os anjos, ou Espíritos puros. Devemos concluir de tudo isto que a forma humana é a forma tipo de todos os seres humanos, seja qual foro grau de evolução em que se achem.

 A forma humana é a básica em todo o Universo (cabeça, tronco, braços, pernas, mãos, pés, e postura ereta). Parece ser claramente um erro dos espíritos.

 

Página 88
Efetivamente, as respostas muito amiúde se achavam em oposição formal às idéias dos assistentes, fora do alcance intelectual do médium e eram até dadas em línguas que este ignorava, ou referia fatos que todos desconheciam. São tão numerosos os exemplos, que quase impossível é não ter sido disso testemunha muitas vezes quem quer que já um pouco se ocupou com as manifestações Espíritas. Citaremos apenas um, que nos foi relatado por uma testemunha ocular.

 Kardec cita então (a partir desse trecho que reproduzi acima) um fato. Relatado por uma testemunha ocular. Quem é essa testemunha? Qual a credibilidade que podemos atribuir ao relato? Simplesmente não dá pra saber.

 

Página 112
Esses estudos, além disso, nos ensinam a distinguir o que é real do que é falso, ou exagerado, nos fenômenos de que não fomos testemunha. Se um efeito insólito se produz: ruído, movimento, mesmo aparição, a primeira idéia que se deve ter é a de que provém de uma causa inteiramente natural, por ser a mais provável.

 Nota-se nesse trecho acima a bagagem claramente científica e racionalista de Kardec.

 

Página 133
As pessoas que vemos em sonho são sempre as que parecem ser pelo seu aspecto?
"Quase sempre são mesmo as que os vossos Espíritos buscam, ou que vêm ao encontro deles."

 Creio que isso é errado. Mas é difícil falar sobre essas questões dos sonhos. Na visão freudiana, os diversos personagens dos nossos sonhos somos nós mesmos, desempenhando papéis onde escondemos e mostramos nossos símbolos, nossas preocupações, etc. Os sonhos parecem (parecem!) muito desprovidos de "paranormalidade".

 

Página 153
Há fatos muito positivos, que nenhuma dúvida permitem a tal respeito. Citaremos apenas alguns exemplos, de que temos conhecimento pessoal e cuja exatidão podemos garantir, sendo que a todos é possível registrar outros análogos, consultando suas próprias reminiscências.

A mulher de um dos nossos amigos viu repetidas vezes entrar no seu quarto, durante a noite, houvesse ou não luz, uma vendedora de frutas que ela conhecia de vista, residente nas cercanias, mas com quem jamais falara. De outras vezes, viu, da mesma maneira, um homem que lhe era desconhecido e, certo dia, viu seu próprio irmão, que se achava na Califórnia. Este se lhe apresentou com a aparência tão perfeita de uma pessoa real, que, no primeiro momento, acreditou que ele houvesse regressado e quis dirigir-lhe a palavra. Logo, entretanto, o vulto desapareceu, sem lhe dar tempo a isso.

 Novamente, Kardec vai citar fatos. Aí fala: "A mulher de um amigo meu"... Ora, sequer sabemos da confiabilidade do amigo dele, porque ele não disse nada a esse respeito. Muito menos ainda sobre a confiabilidade da mulher do amigo. O caso não possui força evidencial.

 

Página 154
Outra senhora, residente na província, estando gravemente enferma, viu certa noite, por volta das dez horas, um senhor idoso, que residia na mesma cidade e com quem ela se encontrava às vezes na sociedade, mas sem que existissem relações estreitas entre ambos.

 Novo caso. Dessa vez Kardec se limita a dizer "outra senhora"... Igualmente trata-se de um caso com pouca força evidencial.

 

Página 155
Eis aqui agora outro fato ainda mais característico e grande curiosidade teríamos de ver como poderiam explicá-lo unicamente por meio da imaginação. Trata-se de um senhor provinciano, que jamais quisera casar-se, mau grado às instâncias de sua família, que muito insistira notadamente a favor de uma moça residente em cidade próxima e que ele jamais vira. Um dia, estando no seu quarto, teve a enorme surpresa de se ver em presença de uma donzela vestida de branco e com a cabeça ornada por uma coroa de flores. Disse-lhe que era sua noiva, estendeu-lhe a mão, que ele tomou nas suas, vendo-lhe num dos dedos um anel. Ao cabo de alguns instantes, desapareceu tudo. Decorrido um ano, cedendo a novas solicitações de uma parenta, resolveu-se a ir ver a moça que lhe propunham. Trajava tal qual a aparição, porquanto esta se verificara também num dia de Corpus-Christi. Ficou atônito e a mocinha, por seu lado, soltou um grito e sentiu-se mal. Voltando a si, disse já ter visto aquele senhor, um ano antes, em dia igual ao em que estavam. Realizou-se o casamento. Isso ocorreu em 1835, época em que ainda se não cogitava de Espíritos, acrescendo que ambos os protagonistas do episódio são extremamente positivistas e possuidores da imaginação menos exaltada que há no mundo.

Tanscorreram 25 anos desde que esse caso ocorreu e o momento que Kardec o relatou no Livro dos Médiuns. Também não é dado muita bagagem a respeito das pessoas envolvidas, e nem sabemos se Kardec ouviu isso direto deles ou através de terceiros.

 

Página 156
Antes de irmos adiante, devemos responder imediatamente a uma questão que não deixará de ser formulada: como pode o corpo viver, enquanto está ausente o Espírito? Poderíamos dizer que o corpo vive a vida orgânica, que independe do Espírito, e a prova é que as plantas vivem e não têm Espírito.

 Kardec sabe muito sobre plantas... E ainda bota tal "conhecimento" como prova de um outro raciocínio... ("e a prova disso é que as plantas vivem e não têm Espírito")

 

Página 157
Santo Antônio de Pádua estava pregando na Itália (vide Nota Especial à página 162), quando seu pai, em Lisboa, ia ser supliciado, sob a acusação de haver cometido um assassínio. No momento da execução, Santo Antônio aparece e demonstra a Inocência do acusado. Comprovou-se que, naquele Instante, Santo Antônio pregava na Itália, na cidade de Pádua. Por nós evocado e interrogado, acerca do fato acima, Santo Afonso respondeu do seguinte modo:
Poderias explicar-nos esse fenômeno?
"Perfeitamente. Quando o homem, por suas virtudes, chegou a desmaterializar-se completamente; quando conseguiu elevar sua alma para Deus, pode aparecer em dois lugares ao mesmo tempo.

 Caso interessante. Talvez haja mesmo registros históricos suficientes para vermos tal caso como evidencialmente forte.

 

Página 181
Já não há então simples manifestações inteligentes, mas verdadeiras comunicações. Os meios de que hoje dispomos permitem que as obtenhamos tão extensas, tão explícitas e tão rápidas, como as que mantemos com os homens.

 A crença de Kardec era de que já havia então comunicações quase plenamente confiáveis. A crença hoje, em muitos centros espíritas brasileiros, está muito longe disso!

 

Página 212-213
Assistimos uma noite à representação da ópera Oberon, em companhia de um médium vidente muito bom. Em seguida, evocamos o Espírito Weber, autor da ópera, e lhe perguntamos o que pensava da execução da sua obra. "Não de todo má; porém, frouxa; os atores cantam, eis tudo. Não há inspiração. Espera, acrescentou, vou tentar dar-lhes um pouco do fogo sagrado." Foi visto, daí a nada, no palco, pairando acima dos atores. Partindo dele, um como eflúvio se derramava sobre os intérpretes. Houve, então, nestes, visível recrudescência de energia. Outro fato que prova a influência que os Espíritos exercem sobre os homens, à revelia destes: Assistíamos, como nessa noite, a uma representação teatral, com outro médium vidente. Travando conversação com um Espírito espectador, disse-nos ele: "Vês aquelas duas damas sós, naquele camarote da primeira ordem? Pois bem, estou esforçando-me por fazer que deixem a sala." Dizendo isso, o médium o viu ir colocar-se no camarote em questão e falar às duas. De súbito, estas, que se mostravam muito atentas ao espetáculo, se entreolharam, parecendo consultar-se mutuamente. Depois, vão-se e não mais voltam. O Espírito nos fez então um gesto cômico, querendo significar que cumprira o que dissera.

 O primeiro caso pode ter sido mera validação subjetiva de Kardec e dos amigos. No segundo, parece ter ocorrido algo mais. É um dos trechos, em toda a obra de Kardec, onde ele embasa melhor evidencialmente uma alegação de ação espiritual. Ainda assim é bem fraco também, justamente por ser raro, por poder ter sido coincidência, e por talvez o médium ter percebido antes uma disposição das duas mulheres em saírem do teatro. Contudo, eu ainda tendo a achar que houve de fato algo especial (extraordinário) no evento.

 

Página 365
NOTA. Vimos um Espírito responder, servindo-se de dois médiuns ao mesmo tempo, às perguntas que lhe eram dirigidas, por um em francês, por outro em inglês, sendo idênticas as respostas quanto ao sentido; algumas até eram a tradução literal de outras.

 Esse caso é interessante, e aparece mais abaixo mais explicado. Comento mais abaixo.

 

Página 400
Longe, porém, não está o dia em que o ensino dos Espíritos será por toda parte uniforme, assim nas minúcias, como nos pontos principais.

 Estamos esperando...

 

Página 403
Tenho-vos dito que a unidade se fará na crença espírita; ficai certos de que assim será;

 Estamos esperando...

 

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O Evangelho Segundo o Espiritismo. 113a Edição. 1997. Rio de Janeiro. Federação Espírita Brasileira.

Página 53
CAPÍTULO I
NÃO VIM DESTRUIR A LEI
As três revelações: Moisés, Cristo, Espiritismo. Aliança da Ciência e da Religião. -Instruções dos Espíritos: A nova era.

 Kardec acreditava de fato que o kardecismo (nesse caso é melhor dizer espiritismo mesmo) era a terceira revelação. Atualmente, infelizmente, discordo.

 

Página 56
O Espiritismo é a ciência nova que vem revelar aos homens, por meio de provas irrecusáveis, a existência e a natureza do mundo espiritual e as suas relações com o mundo corpóreo.

 Provas irrecusáveis! Infelizmente, longe disso...

 

Página 57
A lei do Antigo Testamento teve em Moisés a sua personificação; a do Novo Testamento tem-na no Cristo. O Espiritismo é a terceira revelação da lei de Deus, mas não tem a personificá-la nenhuma individualidade, porque é fruto do ensino dado, não por um homem, sim pelos Espíritos, que são as vozes do Céu, em todos os pontos da Terra, com o concurso de uma multidão inumerável de intermediários.

 Novamente o espiritismo como a terceira revelação...

 

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O Céu e o Inferno. 42a Edição. 1998. Rio de Janeiro. Federação Espírita Brasileira.

Explicação pós Subtítulo: Exame comparado das doutrinas sobre a passagem da vida corporal à vida espiritual, sobre as penalidades e recompensas futuras, sobre os anjos e demônios, sobre as penas, etc., seguido de numerosos exemplos acerca da situação real da alma durante e depois da morte

Página 77
Sendo em tudo infinito, Deus deve abranger o passado e o futuro; deve saber, ao criar uma alma, se ela virá a falir, assaz gravemente, para ser eternamente condenada. Se o não souber, a sua sabedoria deixará de ser infinita, e Ele deixará de ser Deus. Sabendo-o, cria voluntariamente uma alma desde logo votada ao eterno suplício, e, nesse caso, deixa de ser bom.

 No meu entendimento, e sob uma ótica estritamente científica (e olhando o kardecismo como uma doutrina que se afirma também como uma ciência) considero que esse livro jamais deveria ter sido escrito. Nele Kardec transforma o possível (a hipótese espírita kardecista) no inegável (o kardecismo como fato incontestável). Discorre sobre a vida de pessoas reais no pós morte, traça julgamentos, incorre em momentos a meu ver de falta de ética para com pessoas que viveram. Enfim, todo um leque de problemas nada discretos. Há alguns casos onde é bem possível que alguém que tenha lido o livro de Kardec na época tenha conseguido identificar de quem Kardec falava. Lamentável. Mas creio que nada diferente dos padrões da época (talvez melhor).

Exatamente nesse trecho acima, Kardec reafirma o caráter todo poderoso das previsões de Deus.

 

Página 90
Código penal da vida futura
O Espiritismo não vem, pois, com sua autoridade privada, formular um código de fantasia; a sua lei, no que respeita ao futuro da alma, deduzida das observações do fato, pode resumir-se nos seguintes pontos:

 Vejam : "Código Penal"! E não se trata de fantasia, ou sequer de hipótese ou teoria. É fato! Esse é o grande problema do kardecismo.

 

Página 92
Pela natureza dos sofrimentos e vicissitudes da vida corpórea, pode julgar-se a natureza das faltas cometidas em anterior existência, e das imperfeições que as originaram.

 Afirmação altamente temerária. Similar à feita com relação aos idiotas, que sofreriam por terem em vida anterior abusado da inteligência (usado-a para o mal).

 

Página 96
A responsabilidade das faltas é toda pessoal, ninguém sofre por erros alheios, salvo se a eles deu origem, quer provocando-os pelo exemplo, quer não os impedindo quando poderia fazê-lo.

 Se você sofre, é por sua causa. Se te mataram, esfolaram, estupraram, surraram, não aconteceu contigo mais do que o merecido. Temerário!

 

Página 100
Ao contrário, a justiça divina patenteia-se na igualdade absoluta que preside à criação dos Espíritos; todos têm o mesmo ponto de partida e nenhum se distingue em sua formação por melhor aquinhoado; nenhum cuja marcha progressiva se facilite por exceção: os que chegam ao fim, têm passado, como quaisquer outros, pelas fases de inferioridade e respectivas provas.

 Igualdade absoluta na origem dos espíritos!

 

Página 113
Deus não criou o mal; todas as suas leis são para o bem, e foi o homem que criou esse mal, divorciando-se dessas leis; se ele as observasse escrupulosamente, jamais se desviaria do bom caminho.

 Deus apenas criou um ser capaz de ser bem mauzinho...

 

Página 277-278-279
PASCAL LAVIC
(Havre, 9 de agosto de 1863)
Nota - Este Espírito, sem que o médium o conhecesse em vida, mesmo de nome, comunicou-se espontaneamente. "Creio na bondade de Deus, que, na sua misericórdia, se compadecerá do meu Espírito. Tenho sofrido muito, muito; pereci no mar. Meu Espírito, ligado ao corpo, vagou por muito tempo sobre as ondas. Deus...
(A comunicação foi interrompida, e no dia seguinte o Espírito prosseguiu.)
...houve por bem permitir que as preces dos que ficaram na Terra me tirassemdo estado de perturbação e incerteza em que me achava imerso. Esperaram-me por muito tempo e puderam enfim achar meu corpo. Este repousa atualmente, ao passo que o Espírito, libertado com dificuldade, vê as faltas cometidas. Consumada a provação, Deus julga com justiça, a sua bondade estende-se aos arrependidos.
"Por muito tempo, juntos erraram o corpo e o Espírito, sendo essa a minha expiação. Segui o caminho reto, se quiserdes que Deus facilite o desprendimento de vosso Espírito. Vivei no seu amor, orai, e a morte, para tantos temerosa, vos será suavizada pelo conhecimento da vida que vos espera. Sucumbi no mar, e por muito tempo me esperaram. Não poder desligar-me do corpo era para mim uma terrível provação, eis por que necessito das preces de quem, como vós, possui a crença salvadora e pode pedir por mim ao Deus de justiça. Arrependo-me e espero ser perdoado. A 6 de agosto foi meu corpo encontrado. Eu era um pobre marinheiro e há muito tempo que morri. Orai por mim.
Pascal Lavic."

- P. Onde foi achado o vosso corpo?
- R. Não muito longe de vós.
Nota - O Journal du Havre, de 11 de agosto de 1863, continha o seguinte tópico, do qual o médium não podia ter ciência:
"Noticiamos que a 6 do corrente se encontrara um resto de cadáver encalhado entre Bléville e La Hève. A cabeça, os braços e o busto tinham desaparecido, mas, apesar disso, pôde verificar-se a sua identidade pelos sapatos ainda presos aos pés. Foi reconhecido o corpo do pescador Lavic, que fora arrebatado a 11 de dezembro de bordo do navio L'Alerte, por uma rajada de mar. Lavic tinha 49 anos de idade e era natural da cidade de Calais. Foi a viúva quem lhe reconheceu a identidade."
Nota - A 12 de agosto, como se tratasse desse acontecimento no Centro em que o Espírito se manifestara pela primeira vez, deu este de novo, e espontaneamente, a seguinte comunicação:
"Sou efetivamente Pascal Lavic, que tem necessidade das vossas preces. Podeis beneficiar-me, pois terrível foi a provação por mim experimentada. A separação do meu Espírito do corpo só se deu depois que reconheci as minhas faltas; e depois disso, ainda não totalmente destacado, acompanhava-o no oceano que o tragara. Orai, pois, para que Deus me perdoe e me conceda repouso. Orai, eu vo-lo suplico. Oxalá este desastrado fim de uma infeliz vida terrena vos sirva de grande ensinamento! Deveis ter sempre em vista a vida futura, não deixando jamais de implorar a Deus a sua divina misericórdia. Orai por mim; tenho necessidade que Deus de mim se compadeça.
Pascal Lavic."

Esse caso acima, que reproduzi na íntegra, é um dos raríssimos com certo peso evidencial. Notem contudo que ele não é de Paris, e sim de Havre. E as datas das mensagens iniciais e da reportagem no jornal são próximas. Possivelmente Kardec não tinha contato direto com tal centro e com tais médiuns, e sou fortemente inclinado a pensar que se trata de uma fraude. Há contudo um caso similar, na verdade bem mais forte, ocorrido em 1937 na Islância, estudado na época e posteriormente relatado e estudado em bons detalhes por Erlandur Haraldsson e Ian Stevenson, de um espírito que apareceu em uma sessão espírita e reclamou que havia sido enterrado sem sua perna. Só sossegou depois que acharam a perna dele, seguindo as instruções do próprio... (esse caso me foi indicado, pasmem, por um cético ateu materialista, Keith Augustine, da Inglaterra, e pude ler sobre ele no livro "Immortal Remains", de 2003, do pesquisador psi Stephen Braude). Uma descrição bem completa desse caso citado por Stephen Braude pode ser lida no artigo mais importante que relata o caso, disponível em inglês neste link, e em português neste link.

 

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A Gênese. 37a Edição. 1996. Rio de Janeiro. Federação Espírita Brasileira.

Página 12
Os mesmos escrúpulos havendo presidido à redação das nossas outras obras, pudemos, com toda verdade, dizê-las: segundo o Espiritismo, porque estávamos certo da conformidade delas com o ensino geral dos Espíritos. O mesmo sucede com esta, que podemos, por motivos semelhantes, apresentar como complemento das que a precederam, com exceção, todavia, de algumas teorias ainda hipotéticas, que tivemos o cuidado de indicar como tais e que devem ser consideradas simples opiniões pessoais, enquanto não forem confirmadas ou contraditadas, a fim de que não pese sobre a doutrina a responsabilidade delas. (1)
(1) Nota da Editora: Ao leitor cabe, pois, durante a leitura desta obra, distinguir a parte apresentada como complementar da Doutrina, daquela que o próprio Autor considera hipotética e pessoalmente dele.

 A nota da FEB está errada. Kardec está claramente dizendo que indicará quando a informação for uma hipótese dele.

 

Página 23
Certamente, a distância que separa o Espiritismo da magia e da feitiçaria é maior do que a que existe entre a Astronomia e a Astrologia, a Química e a Alquimia. Confundi-las é provar que de nenhuma se sabe patavina.

 Humildemente, acho que Kardec exagerou um pouco no trecho acima.

 

Página 29
o futuro já não é uma vaga esperança: é um fato positivo, uma certeza matemática. Desde então, a morte nada mais tem de aterrador, por lhe ser a libertação, a porta da verdadeira vida.

 Certeza matemática! A vida pós morte, descrita inclusive em minúcias, é tão certa quanto "dois mais dois igual a quatro". Forte e perigoso erro...

 

Página 52
Existência de Deus
1. - Sendo Deus a causa primária de todas as coisas, a origem de tudo o que existe, a base sobre que repousa o edifício da criação, é também o ponto que importa consideremos antes de tudo.
2. - Constitui princípio elementar que pelos seus efeitos é que se julga de uma causa, mesmo quando ela se conserve oculta. Se, fendendo os ares, um pássaro é atingido por mortífero grão de chumbo, deduz-se que hábil atirador o alvejou, ainda que este último não seja visto. Nem sempre, pois, se faz necessário vejamos uma coisa, para sabermos que ela existe. Em tudo, observando os efeitos é que se chega ao conhecimento das causas.
3. - Outro princípio igualmente elementar e que, de tão verdadeiro, passou a axioma é o de que todo efeito inteligente tem que decorrer de uma causa inteligente.

 Já comentado em outros pontos.

 

Página 56
Da natureza divina
Não é dado ao homem sondar a natureza íntima de Deus. Para compreendê-Lo, ainda nos falta o sentido próprio, que só se adquire por meio da completa depuração do Espírito. Mas, se não pode penetrar na essência de Deus, o homem, desde que aceite como premissa a sua existência, pode, pelo raciocínio, chegar a conhecer-lhe os atributos necessários, porquanto, vendo o que ele absolutamente não pode ser, sem deixar de ser Deus, deduz daí o que ele deve ser. Sem o conhecimento dos atributos de Deus, impossível seria compreender-se a obra da criação. Esse o ponto de partida de todas as crenças religiosas e é por não se terem reportado a isso, como ao farol capaz de as orientar, que a maioria das religiões errou em seus dogmas. As que não atribuíram a Deus a onipotência imaginaram muitos deuses; as que não lhe atribuíram soberana bondade fizeram dele um Deus cioso, colérico, parcial e vingativo.

 Kardec crê poder inferir os atributos de Deus. Pessoalmente, acho isso difícil.

 

Página 69
Origem do bem e do mal
1. - Sendo Deus o princípio de todas as coisas e sendo todo sabedoria, todo bondade, todo justiça, tudo o que dele procede há de participar dos seus atributos, porquanto o que é infinitamente sábio, justo e bom nada pode produzir que seja ininteligente, mau e injusto. O mal que observamos não pode ter nele a sua origem.

Então teríamos que concluir que a matéria é inteligente...

 

Página 73
Decorrendo, o mal, das imperfeições do homem e tendo sido este criado por Deus, dir-se-á, Deus não deixa de ter criado, se não o mal, pelo menos, a causa do mal; se houvesse criado perfeito o homem, o mal não existiria. Se fora criado perfeito, o homem fatalmente penderia para o bem. Ora, em virtude do seu livre-arbítrio, ele não pende fatalmente nem para o bem, nem para o mal. Quis Deus que ele ficasse sujeito à lei do progresso e que o progresso resulte do seu trabalho,

 Questão já comentada acima.

 

Página 190
Compreende-se que, existindo um primeiro casal, os indivíduos se multiplicaram. Mas, esse primeiro casal, donde saiu? É um desses mistérios que entendem com o princípio das coisas e sobre os quais apenas se podem formular hipóteses. A Ciência ainda não pede resolver o problema; pode entretanto, pelo menos, encaminhá-lo para a solução.

 Nesse trecho, e seguintes, Kardec imbica na direção do darwinismo.

 

Página 191
Tudo, pois, concorre a provar que houve criação simultânea e múltipla dos primeiros casais de cada espécie animal e vegetal.

 Idem a acima.

 

Página 195
Alguns exemplos comuns darão a compreender as transformações que se operam no reino orgânico, pela só modificação dos elementos constitutivos. No suco da uva, não há vinho, nem álcool, mas apenas água e açúcar. Quando o suco fica maduro e são propícias as condições, produz-se nele um trabalho íntimo a que se dá o nome de fermentação. Por esse trabalho, uma parte do açúcar se decompõe; o oxigênio, o hidrogênio e o carbono se separam e combinam nas proporções necessárias a produzir o álcool, de sorte que, em se bebendo suco de uva, não se bebe realmente álcool, pois que este ainda não existe. Ele se forma das partes constituintes da água e do açúcar, sem que haja, em suma, uma molécula a mais ou a menos.

 Interessante que aqui Kardec demonstra agora saber que não há álcool no suco de uva. Bem que ele poderia ter modificado os prolegômenos do Livro dos Espíritos então (ou ele mesmo ter acusado o erro dos "Espíritos Superiores" na metáfora por eles criada ali).

 

Página 199-200
Geração espontânea
É natural se pergunte por que não mais se formam seres vivos nas mesmas condições em que se formaram os primeiros que surgiram na Terra. Sobre esse ponto, não pode deixar de lançar luz a questão da geração espontânea, que tanto preocupa a Ciência, embora ainda esteja diversamente resolvida. O problema é este: Formam-se, nos tempos atuais, seres orgânicos pela simples reunião dos elementos que os constituem, sem germens, previamente produzidos pelo modo ordinário de geração, ou, por outra, sem pais nem mães? Os partidários da geração espontânea respondem afirmativamente, apoiando-se em observações diretas, que parecem concludentes. Pensam outros que...

Sem discutir os dois sistemas, convém acentuar que o princípio da geração espontânea evidentemente só se pode aplicar aos seres das ordens mais ínfimas do reino vegetal e do reino animal, àqueles em os quais a vida começa a despontar e cujo organismo, extremamente simples, é, de certo modo, rudimentar. Foram esses, com efeito, os primeiros que apareceram na Terra e cuja formação houve de ser espontânea. Assistiríamos assim a uma criação permanente, análoga à que se produziu nas primeiras idades do mundo.

Mas, então, por que não se formam da mesma maneira os seres de complexa organização? Que esses seres não existiram sempre, é fato positivo; logo, tiveram um começo. Se o musgo, o líquen, o zoófito, o infusório, os vermes intestinais e outros podem produzir-se espontaneamente, por que não se dá o mesmo com as árvores, os peixes, os cães, os cavalos? Param aí, por enquanto, as investigações; desaparece o fio condutor e, até que ele seja encontrado, fica aberto o campo às hipóteses.

 Kardec continua em seu caminho cauteloso rumo ao darwinismo.

 

Página 202-203
Se se considerarem apenas os dois pontos extremos da cadeia, nenhuma analogia aparente haverá; mas, se se passar de um anel a outro sem solução de continuidade, chega-se, sem transição brusca, da planta aos animais vertebrados. Compreende-se então a possibilidade de que os animais de organização complexa não sejam mais do que uma transformação, ou, se quiserem, um desenvolvimento gradual, a princípio insensível, da espécie imediatamente inferior e, assim, sucessivamente, até ao primitivo ser elementar. Entre a glande e o carvalho é grande a diferença; entretanto, se acompanharmos passo a passo o desenvolvimento da glande, chegaremos ao carvalho e já não nos admiraremos de que este proceda de tão pequena semente. Ora, se a glande encerra em latência os elementos próprios à formação de uma árvore gigantesca, por que não se daria o mesmo do oução ao elefante? (Nº 23.) De acordo com o que fica dito, percebe-se que não exista geração espontânea senão para os seres orgânicos elementares; as espécies superiores seriam produto das transformações sucessivas desses mesmos seres, realizadas à proporção que as condições atmosféricas se lhes foram tornando propícias. Quem nos diz que o nosso oução atual seja idêntico ao que, de transformação em transformação, produziu o elefante? Explicar-se-ia assim porque não há geração espontânea entre os animais de complexa organização. Esta teoria, sem estar admitida ainda, de maneira definitiva, é a que tende evidentemente a predominar hoje na Ciência. Os observadores sérios aceitam-na como a mais racional.

 Nesse trecho acima, Kardec adentra o darwinismo com "mala e cuia".

 

Página 206
Princípio espiritual
A existência do princípio espiritual é um fato que, por assim dizer, não precisa de demonstração, do mesmo modo que o da existência do princípio material. E, de certa forma, uma verdade axiomática. Ele se afirma pelos seus efeitos, como a matéria pelos que lhe são próprios. De acordo com este princípio: «Todo efeito tendo uma causa, todo efeito inteligente há de ter uma causa inteligente», ninguém há que não faça distinção entre o movimento mecânico de um sino que o vento agite e o movimento desse mesmo sino para dar um sinal, um aviso, atestando, só por isso, que obedece a um pensamento, a uma intenção. Ora, não podendo acudir a ninguém a idéia de atribuir pensamento à matéria do sino, tem-se de concluir que o move uma inteligência à qual ele serve de instrumento para que ela se manifeste.

 Afirmação da credulidade no princípio espiritual.

 

Página 302
(1) Tal o princípio dos fenômenos de trazimento, fenômeno este muito real, mas que não convém se admita, senão com extrema reserva, porquanto é um dos que mais se prestam à imitação e à trapaçaria. Devem tomar-se em séria consideração a honradez irrecusável da pessoa que os obtém, seu absoluto desinteresse, material e moral, e o concurso das circunstâncias acessórias. Importa, sobretudo, desconfiar da produção de tais efeitos, quando eles se dêem com excessiva facilidade e ter por suspeitos os que se renovem com extrema freqüência e, por assim dizer, à vontade. Os prestidigitadores fazem coisas mais extraordinárias.

 Interessante como Kardec alerta para as fraudes. Havia de fato boa dose de racionalidade, de ceticismo positivo, e de visão científica nele.

 

Página 337
Tempestade aplacada
Ainda não conhecemos bastante os segredos da Natureza para dizer se há ou não inteligências ocultas presidindo à ação dos elementos. Na hipótese de haver, o fenômeno em questão poderia ter resultado de um ato de autoridade sobre essas inteligências e provaria um poder que a nenhum homem é dado exercer.

 Curioso Kardec nesse ponto afirmar que a ação dos espíritos sobre a matéria, no caso de tempestades, seria hipótese, já que no Livro dos Espíritos ele já havia apresentado isso como revelação dos espíritos superiores.

 

Página 357-358
TEORIA DA PRESCIÊNCIA
Como é possível o conhecimento do futuro? Compreende-se a possibilidade da previsão dos acontecimentos que devam resultar do estado presente; porém, não a dos que nenhuma relação guardem com esse estado, nem, ainda menos, a dos que são comumente atribuídos ao acaso. Não existem as coisas futuras, dizem; elas ainda se encontram no nada; como, pois, se há de saber que se darão? São, no entanto, em grande número os casos de predições realizadas, donde forçosa se torna a conclusão de que ocorre aí um fenômeno para cuja explicação falta a chave, porquanto não há efeito sem causa. É essa causa que vamos tentar descobrir e é ainda o Espiritismo, já de si mesmo chave de tantos mistérios, que no-la fornecerá, mostrando-nos, ao demais, que o próprio fato das predições não se produz com exclusão das leis naturais. Para o homem que está em cima da montanha e que o acompanha com o olhar, tudo aquilo está presente. Suponhamos que esse homem desce do seu ponto de observação e, indo ao encontro do viajante, lhe diz: «Em tal momento, encontrarás tal coisa, serás atacado e socorrido.» Estará predizendo o futuro, mas, futuro para o viajante, não para ele, autor da previsão, pois que, para ele, esse futuro é presente.

Se, agora, sairmos do âmbito das coisas puramente materiais e entrarmos, pelo pensamento, no domínio da vida espiritual, veremos o mesmo fenômeno produzir-se em maior escala. Os Espíritos desmaterializados são como o homem da montanha; o espaço e a duração não existem para eles. Mas, a extensão e a penetração da vista são proporcionadas à depuração deles e à elevação que alcançaram na hierarquia espiritual.

 A premonição, segundo o kardecismo, se dá através do conhecimento do estado atual de um sistema, e não através da retro-causalidade (ou seja, de uma informação do futuro retornar ao passado).

 

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Obras Póstumas. 27a Edição. 1995. Rio de Janeiro. Federação Espírita Brasileira.

Página 103
Livre dos entraves da carne, ela julga dos efeitos e das causas melhor do que nós, que não podemos fazer outro tanto; vê as conseqüências das coisas presentes e pode levar-nos a pressenti-las. É neste sentido que se deve entender o dom de presciência atribuído aos videntes. Suas previsões resultam de ter a alma consciência mais nítida do que existe e não de uma predição de coisas fortuitas, sem ligação com o presente. É por dedução lógica do conhecido que ela chega ao desconhecido, dependente muitas vezes da nossa maneira de proceder.

 Há que se ter enorme cautela ao comentar as Obras Póstumas. São textos que Kardec não publicou. Foram publicados após sua morte. Talvez ele nem os quisesse publicados. Talvez ele possuísse posicionamento ambivalente com relação a algumas das próprias coisas que escreveu. Ainda assim, é válido observar o conteúdo de tais textos. No trecho acima, Kardec reafirma a mecânica da premonição como dedução do estado futuro a partir do conhecimento do estado presente.

 

Página 168
O negro pode ser belo para o negro, como um gato é belo para um gato; mas, não é belo em sentido absoluto, porque seus traços grosseiros, seus lábios espessos acusam a materialidade dos instintos; podem exprimir as paixões violentas, mas não podem prestar-se a evidenciar os delicados matizes do sentimento, nem as modulações de um espírito fino. Daí o podermos, sem fatuidade, creio, dizer-nos mais belos do que os negros e os hotentotes.

 Aposto que Kardec não conhecia negros. Não de fato. Assim como não conhecia crianças ou camponeses. Não na intimidade. Falava coisas preconceituosas e incorretas com relação a tais tipos humanos. Já a mulher, que ele conhecia bem (era casado e parecia desfrutar de uma união conjugal feliz, companheira, e fraterna), ele via com olhos bem realistas, assumindo uma postura bem vanguardista para com os direitos das mulheres.

 

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Allan Kardec - Pesquisa Bibliográfica e Ensaios de Interpretação. Volume 3. Zêus Wantuil e Francisco Thiesen. 1a edição. Federação Espírita Brasileira. Rio de Janeiro. 1980.

Página 295-296
Assistindo às referidas reuniões da SPEE (Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas), nas quais se exerciam diversas formas de mediunidade, notadamente a escrita automática, o jovem francês (Camille Flammarion), no estado semiconsciente, escrevia dissertações sobre astronomia assinadas Galileu, que, mais tarde, Kardec incluiria na obra "A Gênese" (1868), constituindo-lhe o capítulo VI. Tais dissertações - estudos uranográficos - , foram denominadas, na obra acima, "Uranografia Geral", pois abrangiam campo suficientemente extenso para assim serem classificadas.

As comunicações, que "eram deixadas sobre a mesa das sessões e publicadas por Allan Kardec", seriam ulteriormente interpretadas por Flammarion da maneira seguinte, receoso, ao que parece, de incorrer em equívoco - pois continuava alimentando dúvidas, para ele difíceis de serem afastadas: tais "comunicações mediúnicas refletiam simplesmente nossas idéias pessoais e Galileu, para mim, e os habitantes de Júpiter, para Sardou, eram estranhos a essas produções inconscientes de nosso espírito"; "não demoraria a concluir que elas (as páginas psicografadas) eram apenas o eco daquilo que eu sabia, nelas nada existindo de Galileu. Era como uma espécie de sonho acordado. Além do mais, minha mão parava assim que eu pensava em outros assuntos".

 Flammarion e Sardou, pelo visto, eram da opinião de que as próprias comunicações que haviam fornecido vieram não dos espíritos, mas de si próprios. Kardec devia ser mais cauteloso ao afirmar que eram os espíritos os autores de tais trechos.

 

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Revista Espírita - Jornal de Estudos Psicológicos - Coletânea Francesa. Publicado sob a direção de Allan Kardec. Instituto de Difusão Espírita, Araras, SP. 1996. Tradução da Revue Spirite.

Ano de 1858

Página 02
Não se poderia, pois, contestar a utilidade de um órgão especial, que mantenha o público ao corrente dos progressos dessa ciência nova, e o premuna dos exageros da credulidade, tão bem quanto ao ceticismo.

 Notem o duplo objetivo de Kardec, ao mesmo tempo cuidar dos excessos e descaminhos do ceticismo, e dos perigos da credulidade. A meu ver, muito bom! Sinceramente, creio que Kardec era, em muitos aspectos, um homem adiante do seu tempo.

 

Página 05
Faremos anotar, a esse respeito, que esses princípios são aqueles que decorrem do próprio ensinamento dado pelos Espíritos,

 Credulidade com relação às revelações espíritas.

 

Página 65
Artigo a respeito da Pluralidade dos Mundos Habitados.

Neste artigo, Kardec expõe as revelações dos espíritos a respeito dos mundos habitados no nosso sistema solar. Há diversas afirmações que parecem claramente ser erros científicos nesse texto. É muito interessante que o leitor leia o artigo na íntegra, e eu o incluí neste link para os interessados.

Kardec acrescenta uma nota bastante racional, ao ele dizer que "todavia, não lhes damos senão sob benefício de inventário, a título de notícias, aos quais cada um está livre para ligara importância que julga adequada". Contudo, imediatamente antes, ele faz uma afirmação muito interessante: "O que dá aqui, um certo peso ao dizer dos Espíritos, é a correlação que existe entre eles, pelo menos nos pontos principais. Para nós, que fomos cem vezes testemunhas dessas comunicações, que pudemos apreciá-las em seus menores detalhes, que nelas escoltamos o forte e o fraco, observamos as semelhanças e as contradições, encontramos todos os caracteres da probabilidade". Esses dois trechos em francês, na ordem correta (e não invertida como eu coloquei acima) é: "Pour nous qui avons été cent fois témoins de ces communications, qui avons pu les apprécier dans les moindres détails, qui en avons scruté le fort et le faible, observé les similitudes et les contradictions, nous y trouvons tous les caractères de la probabilité ; toutefois, nous ne les donnons que sous bénéfice d'inventaire, à titre de renseignements auxquels chacun sera libre d'attacher l'importance qu'il jugera à propos.".

Esse comentário de Kardec é muito interessante, pois ele afirma que "cem vezes fomos testemunhas", e que "apreciamos os seus menores detalhes", e também que "observamos nelas o forte e o fraco, as semelhanças e contradições", e no fim Kardec conclui sua análise dizendo que: "Elas possuem todos os caracteres da probabilidade". Contudo, à luz do conhecido pela ciência hoje, as afirmações deste artigo parecem claramente possuir todos os caracteres da mais extrema improbabilidade...

O que podemos concluir disso? Penso que a principal conclusão é que a aplicação que Kardec fazia do critério da "universalidade do ensino dos espíritos" era muito fraca e falha.

 

Ano de 1859

Página 94-95

 Nessas páginas, Kardec inclui interessante artigo onde alerta para as fraudes dos prestidigitadores. Muito interessante e benéfico.

 

Página 162
Pergunta a São Luís: A raça negra é verdadeiramente uma raça inferior? Resposta: A raça negra desaparecerá da Terra. Ela foi feita para uma latitude diferente da vossa.

 Essa foi, em toda a obra de Kardec, uma das afirmações mais pesadas e obtusas. Veio de São Luís, Espírito Superior presidente espiritual da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas... Para mim, ele era um espírito inferior (se de fato era um espírito).

 


Ano de 1860

Página 132
Boletim da SPEE, sexta-feira, 20 de abril de 1860: 3o - O sr. Col... começa a leitura de uma evocação de São Lucas, evangelista, que fez particularmente. O Presidente, percebendo que nessa evocação são tratadas diversas questões de dogmas religiosos, interrompe-lhe a leitura, em virtude do regulamento que proíbe ocupar-se dessa espécie de matéria.

 Esse trecho é muito interessante. Ele mostra não só que era de fato norma da SPEE evitar viéses religiosos (ou melhor, defender ou atacar dogmas religiosos, creio), mas que tal normal não era letra morta. Isso de fato era um dos fatores que tornava difícil ver o kardecismo como uma religião.

 

Página 164

Nessa página há uma transcrição de interessante conversa de Kardec com São Luís, que era o presidente espiritual da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, onde Kardec questiona o fato de um impostor ter falado por São Luís sem que São Luís tivesse impedido tal fato. Mostra a postura não submissa, e inquiridora, de Kardec frente aos espíritos.

 

Página 259
O Sr. Allan Kardec dá conta de urn fato interessante que se passou em sua casa, numa sessão particular. A esta sessão assistia o Sr. Rabache, muito bom médium, e ao qual se comunicara espontaneamente Adam Smith, num café em Londres. Tendo sido Adam Smith evocado, por intermédio de um outro médium, a senhora Costel, ele respondeu simultaneamente por esta senhora, em francês, e pelo Sr. Rabache, em inglês; várias respostas foram encontradas com uma identidade perfeita, e mesmo sera tradução literal uma da outra.

Esse foi o ponto que também aparece mais acima, e que eu disse que comentaria. Trata-se de um raro momento onde Kardec relata um fato com algum peso evidencial. Contudo, como Kardec não transcreveu os textos e não deu outras informações adicionais, isso enfraquece imensamente tal relato. (O texto que coloquei acima reproduz na íntegra o que foi dito por Kardec na Revue em 1860 página 259).

 


Ano de 1862

Página 75-76-78
Sr. Jobart morreu porque queria ultrapassar os limites estipulados para o espiritismo:
"Jobart pôs as mãos sobre a Arca, e foi fulminado". (Espírito Verdade).

 O Espírito Verdade, Jesus, afirma que Jobart, colaborador de Kardec, foi levado de volta ao mundo dos mortos por estar tentando descobrir demais...

 

Página 97

 Nesta página há artigo onde Kardec afirma que a raça negra não é perfectível.

 


Página 232-233

 Nestas páginas, é mostrado comunicação onde o Bispo de barcelona, feroz opositor do espiritismo, se retrata logo após a sua morte (foi evocado por Kardec e colaboradores). Kardec relata credulamente tais fatos. Ele parece claramente acreditar, sem sombra de dúvidas, que era o próprio Bispo de Barcelona se manifestando.

 


Ano de 1864

Página 26
Artigo onde Kardec responde a uma interessante pergunta a respeito da aleatoriedade das virtudes na primeira encarnação.

 Nesse artigo, que incluí na íntegra neste link, um missivista alega que na primeira encarnação as virtudes deveriam ser aleatórias, pois que o espírito não havia vivido ainda. Kardec objeta fortemente. Alega principalmente que as encarnações começam muito antes da linhagem humana (se dando presumivelmente nos seres inferiores da criação, ou em outros planetas, etc). Contudo, se Kardec remetesse tal raciocínio à encarnação primeira mesma, ele veria que o fundo da lógica do missivista é impecável, e mostra uma falha grave na lógica teológica kardecista.

 

Página 241
Artigo onde um missivista pergunta a respeito da justiça no extermínio dos primeiros nativos americanos contactados por Colombo (indígenas de ilhas do Caribe) e o espírito Erasto responde justificando o fato devido aos Incas terem paralisado no tempo (não progrediam nem regrediam)...

 Esse caso foi comentado por mim em kardec1.htm. É por causa de fatos como esse que eu penso que Erasto, assim como São Luís, ou não eram espíritos, ou eram espíritos inferiores.

 


Ano de 1865

Página 297-302
Um Abade antiespírita se retrata após a morte.

 O bom do kardecismo era isso. Os opositores se retratavam depois da morte...

 


Ano de 1866

Página 01
Interessante artigo com o título "As mulheres têm alma?".

 Nesse artigo, Kardec se mostra adiante do seu tempo, e reconhece nas mulheres o valor e a igualdade com os homens que elas têm. Muito bom.

 

Página 106
Comentários de Kardec a respeito de um interessante incidente, grupos que, apesar de acreditarem nos espíritos, alegam que eles não ensinam nada de novo que não seja conhecido pela humanidade...

 Muitos céticos se queixam atualmente de que os espíritos não revelam nada de novo. Eles nem imaginam o quanto tal queixa é... velha!

 


Ano de 1867

Página 55
Artigo onde se fala sobre as causas das doenças: não se falam de bactérias ou de saneamento básico, apenas do corpo, do espírito e do perispírito.

 Ou seja, é difícil os espíritos falarem coisas que já não sabemos.

 


Ano de 1868

Página 201

 Artigo que comenta os trechos sobre a teoria da geração espontânea conforme analisados no livro de Kardec "A Gênese". Kardec, nesse artigo da Revue Spirite, se manifesta pró evolução (ou seja, diversas espécies tendo se originado de uma ou de algumas espécies anteriores mais simples), hipotizando que a evolução se dá a partir de seres menos complexos que teriam por sua vez se originado por geração espontânea.

 


Ano de 1869

Página 65
Na questão "carne vs espírito", o espírito só é vencido nas patologias.

 Já comentado acima.

 

Página 98
Artigo sobre "A Profissão de Fé Espírita Americana".

Este artigo está disponível neste link, e é muito interessante que o leitor o leia com atenção. O curioso neste artigo é que Kardec afirma, com relação ao espiritismo nos Estados Unidos e na França, que "Ambos reconhecem o progresso indefinido da alma como a lei essencial do futuro; ambos admitem a pluralidade das existências sucessivas em mundos mais ou menos avançados; a única diferença consiste em que o Espiritismo europeu admite essa pluralidade de existências sobre a Terra até que o Espírito tenha adquirido o grau de adiantamento intelectual e moral que comporte este globo, depois do que ele o deixa por outros mundos, onde adquire novas qualidades e novos conhecimentos.". Estranhamente, ao contrário do que afirma Kardec, em nenhum lugar na exposição que Kardec fez da Profissão de Fé dos Espíritas dos Estados Unidos (extraída da quinta convenção nacional dos espíritas de tal país) é afirmado isso que Kardec imaginou ter visto, ou seja, que: "o espiritismo nos Estados Unidos admite a pluralidade de existências sucessivas (ou seja: reencarnação) em mundos mais ou menos avançados". Esse é um exemplo bem ilustrativo do quanto Kardec por vezes "via justamente aquilo que ele queria ver" em algo que na verdade não continha o que ele imaginava estar vendo. Penso que podemos concluir que tal tendência influiu negativamente ao ele analisar as diversas mensagens mediúnicas e aplicar o "método da sanção universal dos espíritos".

 

Bem, me arriscando a chegar a uma conclusão da obra de Kardec, eu diria que é um conjunto altamente respeitável, mas que necessita ser re-estudado e re-avaliado a fundo. Especialmente, penso ser necessário a investigação com médiuns em condições laboratoriais rígidas.

 

Julio Siqueira
Agosto, 2005
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