A Relatividade do Erro Revisitada, ou:
Devaneios Desavisados de “Isaac Quasessimov”...

 

[ Importante: o leitor poderá achar valiosa a discussão a respeito deste artigo neste link, do blog Obras Psicografadas. ]


Nos links abaixo, encontramos um artigo muito interessante de autoria do renomado escritor Isaac Asimov, em suas versões: original em inglês (primeiro link) e traduzida para o português (segundo link).

 

http://home.earthlink.net/~dayvdanls/relativity.htm

http://www.str.com.br/Str/relatividade.htm

 

O título do artigo, original e traduzido, é:

The Relativity of Wrong

A Relatividade do Errado  (por vezes aparece a tradução: A Relatividade do Erro)

 

Nota especial biográfica: Asimov, além de ser um dos mais importantes escritores de ficção científica e de divulgação da ciência do Século XX, era bioquímico. Eu jurava que ele era um físico, mas na verdade não era. Verifiquei isso na Wikipedia agora. Asimov faleceu com 72 anos de idade em 1992.



À primeira vista, o artigo parece não possuir problemas. Contudo, um olhar mais apurado leva à constatação de que Asimov não chega de fato a "caminhar" neste artigo (ou seja: a avançar em reflexões fidedignas e férteis para o debate científico), apenas limitando-se a Quase-se-Mover, atolado irremediavelmente em paradigmas mal percebidos..., e servindo a uma agenda político-ideológica mal explicitada. E não é por outra razão que este artigo é acolhido com ovações por grupos sectários de mentalidade um tanto quanto bitolada, como notadamente os membros dos movimentos céticos organizados em diversos lugares do mundo (ainda que tal movimento pareça, ao longo dos anos 10 do século XXI, estar em franco fenecimento - Escrevo esse texto de junho a outubro de 2013), exemplificados pelo segundo link acima, da Sociedade dos Cabeça Oca (STR)  . Vou então, com dez anos de atraso, tecer algumas considerações sobre os insidiosos perigos inerentes a esse aparentemente tão cândido artigo...

 

 

"Defendendo" o pobre formando em literatura inglesa...:

 

Asimov monta sua exposição sobre o que é o "erro na ciência", ou melhor, sobre o quanto a ciência está mais e mais CERTA e menos e menos ERRADA ao longo dos séculos, tomando como partida (ou como bode expiatório) uma crítica que ele recebeu através de uma carta de um formando em literatura inglesa. Não temos na verdade como saber exatamente qual foi a crítica a Asimov, e na verdade não sabemos exatamente também o que de fato Asimov teria dito de criticável aos olhos do formando em questão. Temos apenas o que Asimov relata em seu artigo. Aparentemente o formando iniciou sua carta de modo talvez arrogante. Já na primeira frase, segundo Asimov, o formando alega a intenção de "ensinar ciência" a Asimov (farei as devidas citações em inglês e em português):

 

In the first sentence, the writer told me he was majoring in English literature, but felt he needed to teach me science.

Na primeira frase, o escritor me disse que estava se formando em literatura Inglesa, mas que sentia que precisava me ensinar ciência.


 

Asimov explicita melhor o conteúdo factual do episódio nos seguintes termos (inglês // português):

 

It seemed that in one of my innumerable essays, I had expressed a certain gladness at living in a century in which we finally got the basis of the universe straight. I didn't go into detail in the matter, but what I meant was that...

Parece que em um de meus inúmeros ensaios, eu expressei certa felicidade em viver em um século em que finalmente entendemos o básico sobre o universo. Eu não entrei em detalhes, mas o que eu queria dizer era que...


[nota importante minha – Julio Siqueira – de correção de tradução: the basis é melhor traduzido como "as bases", e não como "o básico". Asimov não quis dizer que conhecemos o Universo em linhas gerais ou em um modo inicial/introdutório (o básico; o "basicão", na gíria...). Ele quis dizer que conhecemos as bases do que o Universo é e de como ele funciona. A diferença é astronômica; é meio como se o que não conhecemos fossem mais os detalhes, os pequenos ajustes].


Notem que o que Asimov fará é explicar o que ele quis dizer. Mas ele deixa claro que, no artigo que foi criticado pelo formando, ele (Asimov) "não entrou em detalhes"; consequentemente, o formando não estava de posse destes detalhes, e não pode ser condenado por não conhecê-los. Asimov continua mais à frente a expor o que o formando teria dito:


The young specialist in English Lit, having quoted me, went on to lecture me severely on the fact that in every century people have thought they understood the universe at last, and in every century they were proved to be wrong. It follows that the one thing we can say about our modern "knowledge" is that it is wrong. 

O jovem especialista em literatura inglesa, depois de me citar, continuou me dando uma severa bronca a respeito do fato que em todos os séculos as pessoas pensaram que finalmente haviam compreendido o universo, e em todos os séculos se provou que elas estavam erradas. Segue que a única coisa que nós podemos dizer sobre nosso "conhecimento" moderno é que está errado. [Corrigindo a tradução: lecture me severely é me ensinar em tom grave, e não me dar bronca! E the one thing we can say não é a única coisa que podemos dizer; melhor seria traduzir como a coisa que de fato podemos dizer. A expressão está mais ligada ao aspecto de grau de certeza do que ao aspecto de exclusividade. Essa tradução do Daniel Sottomaior está uma porcaria... Assim não dá ].




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Nota Importante sobre a tradução, ou... Corrigindo a Minha Correção: Conforme fui alertado pelo internauta Marciano no blog Obras Psicografadas, o termo inglês "Lecture" pode, de fato, significar "dar bronca" (neste link). Verifiquei também que a expressão "the one", no contexto usado acima, possui uma carga muito maior de sinonímia com "the only" ("a única") do que eu imaginava. Contudo, minhas impressões com relação ao uso da expressão "the only" neste contexto acima talvez ainda possua alguma validade. O fato é que com isso acabamos redimindo o pobre Daniel Sottomaior... .
                                                                                                                                                                         




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Asimov alfineta o pobre formando nos seguintes termos:


My answer to him was, "John, when people thought the earth was flat, they were wrong. When people thought the earth was spherical, they were wrong. But if you think that thinking the earth is spherical is just as wrong as thinking the earth is flat, then your view is wronger than both of them put together."

Minha resposta a ele foi esta: "John, quando as pessoas pensavam que a Terra era plana, elas estavam erradas. Quando pensaram que a Terra era esférica, elas estavam erradas. Mas se você acha que pensar que a Terra é esférica é tão errado quanto pensar que a Terra é plana, então sua visão é mais errada do que as duas juntas".



Sim, a afirmação de Asimov é correta. Contudo, reparem bem que não há absolutamente nenhuma base para concluirmos que de fato o formando em literatura inglesa pensava desta maneira que Asimov descreveu na última citação acima. Mais para o final, Asimov ainda descarrega sua neurose sobre o pobre estudioso com as afirmações seguintes:


In short, my English Lit friend, living in a mental world of absolute rights and wrongs,

Em suma, meu amigo literado em inglês, viver em um mundo mental de certos e errados absolutos,.
[Correção da Tradução...: English Lit friend é amigo conhecedor de literatura inglesa, ou da área de literatura inglesa. Tsc, tsc, tsc...].


Novamente: pelo que foi mostrado das afirmações do formando, não dá para rotulá-lo do jeito que Asimov faz... Bem no finalzinho, Asimov esculacha:


Naturally, the theories we now have might be considered wrong in the simplistic sense of my English Lit correspondent,

Naturalmente, as teorias que temos hoje podem ser consideradas erradas no sentido simplista do meu correspondente bacharel em literatura inglesa,.


De novo a falácia do strawman (espantalho). Conclusão: esse artigo de Asimov não é um texto de divulgação e ensino de ciência; é uma peça gratuita de bullying...!    

 

Pois bem. Tendo tentado salvar da inquisição nosso desafortunado especialista em literatura da língua inglesa, temos agora que passar para o cerne do artigo. Digo, não o cerne neurótico-motivacional, já que este é o linchamento do pobre estudioso de literatura mesmo, mas sim o cerne teórico-informacional. Para tanto, precisamos conhecer as afirmações de Asimov que foram alvo das críticas, e, complementarmente, o que Asimov descreve como sendo a verdadeira caminhada da ciência através das veredas da verdade e da inverdade, e como Asimov usa dessa descrição para escapar das angustiantes garras do inquiridor estudioso da literatura inglesa.

 

Um último comentário antes de fatiarmos Asimov (analisarmos; analisar quer dizer fatiar...). Logo no início do artigo, ele afirma:


In the first sentence, the writer told me he was majoring in English literature, but felt he needed to teach me science. (I sighed a bit, for I knew very few English Lit majors who are equipped to teach me science, but I am very aware of the vast state of my ignorance and I am prepared to learn as much as I can from anyone, so I read on.).

Na primeira frase, o escritor me disse que estava se formando em literatura Inglesa, mas que sentia que precisava me ensinar ciência. (Eu suspirei levemente, pois conhecia muito poucos bacharéis em literatura inglesa equipados para me ensinar ciência, mas sou perfeitamente ciente do meu estado de vasta ignorância e estou preparado para aprender tanto quanto possa de qualquer um, então continuei lendo.).


Então, à luz dessas palavras proferidas (escritas) por Asimov imediatamente acima, gostaria de fornecer uma humilde palavra de cautela para cientistas descrentes quanto à possibilidade de bacharéis em literatura contribuírem com insights cruciais ao entendimento do que se constitui, em limites, potenciais, e características diversas, o caminhar científico, especialmente no que tange às teorias científicas: eu tive a oportunidade ímpar, o prazer imenso, e a boa ventura, de me aprofundar introdutoriamente no campo da literatura (no curso de professores do Ibeu na década de 80 do século passado, um curso de nível universitário muito respeitado na época) e de me aprofundar significativamente no campo da ciência também (bacharelado em biologia biomédica, com foco na microbiologia/bacteriologia; e mestrado com o mesmo foco; com posterior dedicação livre mas intensa e sistemática a um entendimento mais ampliado do que é a ciência, em características, potencialidades, e limitações, especialmente devido às pressões inerentes ao desenvolvimento do meu site Criticando Kardec). E, por mais incrível que possa parecer, eu sempre achei que minha passagem pela literatura foi muito mais crucial para o meu entendimento do processo científico do que minha passagem pela ciência propriamente dita. A literatura, e a análise literária, possuem uma faceta científica extremamente pronunciada, apesar de raramente citada ou reconhecida. É como se a literatura em si fosse uma verdadeira produção de teorias, e produção de modelos; e a análise literária se constituiria em uma reflexão a respeito de tais "teorias" e "modelos", com a vantagem (com relação ao que ocorre nos meios científicos) de que a literatura está livre de diversos grilhões que acorrentam o pensamento cientifico prático e real. Mas... isso é tese para outro artigo. Olhemos então Asimov mais minuciosamente.

 

Parênteses importante antes de prosseguirmos...: esse artigo de Asimov, ao que parece, teve uma de suas primeiras aparições em um livro de 1988, do próprio Asimov, contendo uma coletânea de artigos falando sobre ciência. O título deste artigo, no livro, era esse mesmo, The Relativity of Wrong; e deste título foi tirado o título do próprio livro: The Relativity of Wrong - Essays on Science. Pelo que consta na Wikipedia de língua inglesa, o artigo original era um pouco maior do que o que consta dos links da internet que eu indiquei no início deste artigo. O texto mais completo pode ser acessado no link abaixo:

http://hermiene.net/essays-trans/relativity_of_wrong.html

Creio que a versão um pouco reduzida foi editada para publicação na revista do Comitê para a Investigação Científica de Alegações de Paranormalidade (CSICOP - Committee for the Scientific Investigation of Claims of the Paranormal -, atualmente conhecida apenas por CSI), conforme pode ser deduzido do link abaixo:

http://chem.tufts.edu/answersinscience/relativityofwrong.htm

É indicada a citação: The Skeptical Inquirer, Fall 1989, Vol. 14, No. 1, Pp. 35-44. Em linhas gerais, pode-se dizer que os trechos retirados não alteram muito o artigo. Contudo, ao fim deste meu texto analítico, comentarei diferenças importantes entre as duas versões.



O que Asimov alega ter querido dizer:

 

Vou começar com um olhar mais detalhado sobre dois trechos de Asimov que me parecem deixar claro o que ele quer dizer ao contestar o estudante de literatura. Primeiro trecho abaixo (novamente, inglês e português):


It seemed that in one of my innumerable essays, I had expressed a certain gladness at living in a century in which we finally got the basis of the universe straight. I didn't go into detail in the matter, but what I meant was that we now know the basic rules governing the universe, together with the gravitational interrelationships of its gross components, as shown in the theory of relativity worked out between 1905 and 1916. We also know the basic rules governing the subatomic particles and their interrelationships, since these are very neatly described by the quantum theory worked out between 1900 and 1930. What's more, we have found that the galaxies and clusters of galaxies are the basic units of the physical universe, as discovered between 1920 and 1930. These are all twentieth-century discoveries, you see.

Parece que em um de meus inúmeros ensaios, eu expressei certa felicidade em viver em um século em que finalmente entendemos o básico sobre o universo (correção: em que finalmente entendemos de modo correto os fundamentos do universo). Eu não entrei em detalhes, mas o que eu queria dizer era que agora nós sabemos as regras básicas que governam o universo, assim como as inter-relações gravitacionais de seus grandes componentes, como mostrado na teoria da relatividade elaborada entre 1905 e 1916. Também conhecemos as regras básicas que governam as partículas subatômicas e suas inter-relações, pois elas foram descritas muito ordenadamente pela teoria quântica elaborada entre 1900 e 1930. E mais, nós descobrimos que as galáxias e os aglomerados de galáxias são as unidades básicas do universo físico, como descoberto entre 1920 e 1930. Veja, essas são todas descobertas do século vinte.

 

Um pouco mais avante, vemos esse segundo trecho, que é um adendo crucial:


My answer to him was, "John, when people thought the earth was flat, they were wrong. When people thought the earth was spherical, they were wrong. But if you think that thinking the earth is spherical is just as wrong as thinking the earth is flat, then your view is wronger than both of them put together." The basic trouble, you see, is that people think that "right" and "wrong" are absolute; that everything that isn't perfectly and completely right is totally and equally wrong. However, I don't think that's so.

Minha resposta a ele foi esta: "John, quando as pessoas pensavam que a Terra era plana, elas estavam erradas. Quando pensaram que a Terra era esférica, elas estavam erradas. Mas se você acha que pensar que a Terra é esférica é tão errado quanto pensar que a Terra é plana, então sua visão é mais errada do que as duas juntas". O problema básico é que as pessoas pensam que "certo" e "errado" são absolutos; que tudo que não é perfeitamente e completamente certo é totalmente e igualmente errado. Entretanto, eu penso que não é assim.

 

E, a propósito..., quem diabos é John? (Asimov afirma: "John, quando as pessoas pensavam que a Terra era plana,"...). O texto que não está completo nos leva a achar que Asimov está se referindo ao estudioso de literatura. Contudo, há um trecho logo antes (na versão completa) onde Asimov afirma que o mesmo questionamento feito a ele pelo estudante de literatura costumava ser feito por uma pessoa de suas relações vinte cinco anos antes, John Campbell, cuja especialidade era "irritar a mim" (segundo palavras de Asimov). Continuando então.

 

Asimov, a seguir, se extende bastante no exemplo do formato do nosso planeta Terra (lembremos que esse exemplo não foi trazido pelo estudioso de literatura, e sim por Asimov). E ele mostra a marcha Ordenada e Progressiva (Ordem e Progresso; Senhor, Sim Senhor! ) da Ciência no conhecimento de qual exatamente é o formato da Terra. Primeiro, achávamos que ela era chata, plana. Segundo, passamos a achar que ela era esférica. Terceiro, passamos a achar que ela era um "oblate spheroid" (esferoide oblato). E atualmente achamos que ela é quase um, digamos, peroide... (formato que possui similaridades marcantes com o de uma pera; a fruta pera). E por fim chegamos a uma bela descrição de Asimov de como ele vê todo esse cenário, descrito pela pérola abaixo... (talvez fosse melhor dizer, pela pera abaixo!)


In short, my English Lit friend, living in a mental world of absolute rights and wrongs, may be imagining that because all theories are wrong, the earth may be thought spherical now, but cubical next century, and a hollow icosahedron the next, and a doughnut shape the one after. What actually happens is that once scientists get hold of a good concept they gradually refine and extend it with greater and greater subtlety as their instruments of measurement improve. Theories are not so much wrong as incomplete.

Em suma, meu amigo literado em inglês (correção: estudante de literatura inglesa), vivendo em um mundo mental de certos e errados absolutos, pode significar imaginar que uma vez que todas as teorias são erradas, podemos pensar que a Terra seja esférica hoje, cúbica no século seguinte, um icosaedro oco no seguinte, e com formato de rosquinha no seguinte. O que acontece na verdade é que uma vez os cientistas tomam um bom conceito, eles o refinam gradualmente e o estendem com sutileza crescente à medida que seus instrumentos de medida melhoram. As teorias não são tão erradas quanto incompletas.

 

Asimov, então, vê (ou pensa que vê...; ou afirma que vê, independente de pensar assim de fato ou não...) o caminho científico basicamente como um caminho progressivo e praticamente sem retrocessos em direção à Verdade! Vejamos então um gráfico ilustrando o que Asimov crê ser o Caminhar da Ciência...

 


 

Sim, a impressão que eu fico, ao ler o artigo de Asimov, é que a visão dele é bastante próxima do que eu descrevi neste gráfico acima. Vamos então dar uma olhada no que pode haver de errado, ou melhor, no que pode haver de ruim, nesta maneira de Asimov ver e divulgar a Ciência. Mas antes, ressalto abaixo os termos usados por Asimov ao descrever como se dá o caminho da ciência:


Even when a new theory seems to represent a revolution, it usually arises out of small refinements. If something more than a small refinement were needed, then the old theory would never have endured.
Mesmo quando uma nova teoria parece representar uma revolução, ela geralmente surge de pequenos refinamentos. Se algo mais do que um pequeno refinamento fosse necessário, então a teoria anterior não teria resistido.

 

Então essa é a noção básica na mente de Asimov ao ele descrever o caminho da ciência: Pequenos Ajustes !!!  Senão, vejamos...



Contestando a Visão de Asimov sobre como Caminha a Ciência:


quatro questões principais embutidas no artigo de Asimov que são: Primeiro, existe a Verdade? Segundo, é possível atingirmos a Verdade (na prática ou também, alternativamente, em princípio)? Terceiro, como caminha a Ciência ao tentar atingir a Verdade? E Quarto, em que ponto está a Ciência atualmente (ou, no caso de Asimov, na época em que ele escreveu seu artigo), em seu rumo à Verdade?


A melhor maneira de iniciarmos uma ponderação sobre essas quatro questões, à luz das "lúcidas" reflexões de Asimov em seu artigo, é vermos como Asimov descreve o que devemos esperar das conclusões (ou seja, teorias) científicas. Ele afirma: "Em resumo, meu amigo formando em literatura inglesa... ...pode achar que, já que todas as teorias são erradas, a Terra pode ser entendida como esférica agora, mas cúbica no século seguinte, e icosaédrica-oca no próximo, e em formato de rosquinha no seguinte.". Asimov parece crer que a Ciência não incorreria em um caminho tão aparentemente disparatado quanto o descrito por ele na frase anterior. Contudo, por mais incrível que possa parecer, a situação é na verdade muito "pior" do que Asimov descreveu. E quando eu digo muito "pior", eu quero dizer muito, muito, muito mesmo! Vejamos então, assim como fez Asimov, como vem se desenvolvendo a visão da Ciência a respeito da Forma da Terra:



Evolução da Visão da "Ciência" a Respeito da Forma do Planeta Terra:


1- Num momento mais inicial onde poderíamos rotular de científicas as visões do homem a respeito da forma da Terra, concluiu-se, como cita Asimov, que a Terra era, digamos, chata (essa visão deve ter sido presente entre os anos 3.000 a.c. e 300 a.c.). Não chegava, obviamente, a ser um círculo com apenas duas dimensões. Mas era bem chatinha. A figura abaixo ilustra tal visão:





2- Após essa fase mais inicial (e já a partir de por volta do ano 200 a.c.), passamos a crer que a Terra era um esferoide mais ou menos perfeito, que ilustrarei com a figura abaixo:





Asimov nos tranquiliza como se a Ciência jamais virá a nos dizer que a Terra é icosaédrica (e oca) ou, alternativamente, em formato de rosquinha (veja figuras abaixo):



Icosaedro e suas 20 faces iguais


Rosquinhas do tipo Dough Nut americanas, deliciosas
e cientificamente consistentes
 




Mas, afinal de contas, Qual é o VERDADEIRO Formato do Planeta Terra?


Bem, a evolução (ou seja, o desenrolar) das teorias científicas tem exibido um cenário um tanto quanto desesperador... Vejamos os candidatos atuais:


A-  Planeta Terra com mais de três dimensões:  a ideia de que o Universo tem apenas três dimensões espaciais e uma dimensão temporal está, digamos, um tanto quanto abalada. Se o Universo tiver, apenas, quatro dimensões espaciais (mais uma dimensão temporal), isso já poderia fazer com que a forma da Terra fosse assustadoramente mais complexa do que estas modestas figuras acima (icosaedro e rosquinha). Vejamos abaixo, à guisa de exercício inicial de pensamento, a representação de um cubo de três dimensões e de um "cubo de quatro dimensões", para visualizarmos o incremento de forma potencial:



Cubo, com três dimensões.

Tesserato, com quatro dimensões.



Bem, isso tudo acima são representações em duas dimensões de um cubo e de um tesserato. Para apreciar um cubo em sua plenitude, você precisa manipulá-lo (segurar um dado, por exemplo) e olhá-lo em sua plenitude 3d. Para apreciar de fato um tesserato, você tem que manipulá-lo e vê-lo na quarta dimensão, o que é algo, pelo menos para mim (e creio que para todos os demais mortais...) impossível de realizar. Mas a projeção, mesmo em 2d, já dá uma idéia do incremento de complexidade na forma. Agora, imagine isso com relação a uma esfera...! Observe abaixo o que acontece quando uma esfera (com três dimensões) corta um plano (com duas dimensões):





Podemos ver que a esfera deixa um rastro, uma marca, no plano 2d. Essa marca é crescente, iniciando-se com um ponto e expandindo-se em um círculo crescente. Podemos representar isso pela figura dinâmica abaixo:





Eu sempre imaginei como seria uma esfera com QUATRO DIMENSÕES!  Creio fortemente ser impossível imaginarmos isso, visualizarmos isso. Mas poderíamos visualizar a passagem de uma esfera 4d através do nosso universo 3d (da mesma forma que a imagem dinâmica acima representa a passagem de uma esfera 3d por um plano 2d). Busquei um bocado na internet, e me deparei com essas duas imagens dinâmicas do youtube onde, creio, é representado exatamente isso (ou seja, é representado a passagem de uma esfera 4d pelo nosso mundo 3d):



hypersphere 1
Stereographic projection of the "spherical parallels" of an hypersphere.
https://www.youtube.com/watch?v=-GMC3UnA7eg

hypersphere 2
Stereographic projection of the "toroidal parallels" of a hypersphere.
https://www.youtube.com/watch?v=QlcSlTmc0Ts



Meu Deus! Queria eu que a Terra fosse uma simples rosquinha icosaédrica oca!!!
[A propósito: repararam que, na imagem dinâmica Hypersphere 2, existem alguns curiosos "momentos rosquinha"... Talvez Asimov estivesse "certo" em seus temores afinal! ]


Mas a coisa piora ainda mais. As teorias físicas mais badaladas da atualidade postulam 11 dimensões! Normalmente se diz que tais dimensões existiriam apenas a nível subatômico, mas parece que não é exatamente assim... (como de resto, nada é "exatamente assim" quando os físicos tentam explicar para nós leigos as ideias da física):

http://bigthink.com/videos/the-multiverse-has-11-dimensions-2


B-  Planeta Terra com menos de três dimensões: Agora vamos rumar no sentido contrário em termos de complexidade. Existe, ainda com alguma credibilidade nos meios científicos, a ideia de que o Universo não teria três dimensões físicas, e sim apenas duas! Essa ideia (graças a Deus!) sofreu aparentemente um golpe relativamente forte recentemente, como é descrito no link abaixo:

http://io9.com/5818008/the-universe-probably-isnt-a-giant-hologram-after-all


Contudo, tal ideia ainda não está, digamos, confortavelmente descartada. Se ela for verdade, então a ideia da Terra Plana estava certa (em um certo sentido...). Pior, a Terra não seria "mais ou menos" 2d (como creio postulavam os sumérios há 3.000 anos atrás); a Terra seria 2d mesmo! Cacilda!!! A imagem abaixo tenta ser uma reprodução disso. A percepção que temos da Terra 3d (que aparece na parte de cima da figura) emergiria na verdade de uma Terra 2d (que aparece na parte de baixo da figura):





C-  Planeta Terra com mais de uma dimensão temporal: Existem duas ideias interessantes na física atual que são por vezes confundidas, mas que se tratam de coisas bem distintas, e bem inquietantes cada uma a seu modo. A primeira é a ideia (teoria) do Multiverso. Multiversos seriam universos diversos (ou melhor, o Multiverso seria a estrutura total que conteria todos os universos). Assim, se conseguíssemos sair do nosso Universo, entraríamos em outro, muito diferente. Talvez haja um número infinito de universos nessa estrutura total do Multiverso. A segunda ideia, totalmente diferente, é a dos Múltiplos Mundos. Essa segunda ideia postula que o nosso próprio Universo (e, igualmente, o nosso próprio planeta Terra) possui diversas cópias alternativas, co-existindo em uma superposição espacial mas em linhas de tempo diferente. Essa segunda ideia é derivada da questão que surge, na mecânica quântica, do experimento da dupla fenda, onde o fóton passa ou por uma fenda ou por outra. Existe uma interpretação da mecânica quântica segundo a qual na verdade o fóton sempre passa por todas as fendas disponíveis (mesmo quando ele é medido, detectado, acompanhado em sua trajetória), mas seguindo por linhas de tempo diversas. Essa interpretação (Everett's Many-Worlds Interpretation) é muito mais badalada do que se poderia imaginar, atraindo algo em torno de 18% das preferências provavelmente, dentre os físicos "top de linha":

http://www.preposterousuniverse.com/blog/2013/01/17/the-most-embarrassing-graph-in-modern-physics/


Uma maneira de visualizarmos o "formato do Planeta Terra" neste cenário seria imagem abaixo:





Rosquinhas Nos Acudam !!!


Então, a meu ver, o Caminho da Ciência está longe de ser a reta de mão única (e com "pequenos ajustes" entre as teorias que vão se sucedendo) que Asimov quer nos fazer crer. Os diversos Caminhos da Ciência, rumo à Verdade (ou seja, rumo à verdade com relação a qualquer afirmação específica, como: formato da Terra, formato do Universo, natureza do tempo, etc) muitas vezes se dão de modos bem mais dinâmicos e interessantes do que o exposto bitoladamente por Asimov. Exemplifico tais caminhos nas imagens abaixo:




Caminho Alternativo 1


Caminho Alternativo 2


Caminho Alternativo 3




No Caminho Alternativo 3, tentei, com as várias cores, ressaltar teorias que seriam suficientemente diferentes entre si a ponto de anular a míope visão de teorias se sucedendo através de "pequenos ajustes" (e representariam então algo mais próximo à visão do filósofo da Ciência Thomas Kuhn de teorias científicas subsequentes como mudanças drásticas de paradigmas). Notem os dois trechos com teorias em azul, que exemplificariam situações onde uma dada teoria se parece mais com uma teoria mais antiga do que com a própria teoria que lhe precedeu imediatamente.


Um ponto importante de termos em mente é que as teorias científicas não têm nenhum compromisso com estarem mais e mais próximas da VERDADE. Por mais incrível que possa parecer, quem de fato tem por compromisso a proximidade máxima com a VERDADE não é a Ciência, e sim a Religião! O compromisso das teorias científicas é outro: lidar cada vez melhor e melhor com os dados observados. Ou seja, resolver melhor os problemas.


O filósofo da ciência Thomas Kuhn, no livro A Estrutura das Revoluções Científicas, afirma (no Posfácio de 1969, item 6, Revoluções e Relativismo): "Não tenho dúvidas, por exemplo, de que a mecânica de Newton aperfeiçoou a de Aristóteles e de que a Mecânica de Einstein aperfeiçoou a de Newton enquanto instrumento para a resolução de quebra-cabeças. Mas não percebo, nessa sucessão, uma direção coerente de desenvolvimento ontológico. Ao contrário: em alguns aspectos importantes, embora de maneira alguma em todos, a Teoria Geral da Relatividade de Einstein está mais próxima da teoria de Aristóteles do que qualquer uma das duas está da de Newton.". Por "desenvolvimento ontológico", Kuhn quer dizer: o caminho rumo à VERDADE.



Mais Exemplos de "Caminhos Sinuosos" da Ciência (idas e vindas e/ou mudanças através de "drásticos ajustes"):


Exemplo 1: Onde Fica o Centro do Universo? Essa questão, ou seja, a maneira como a Ciência vem caminhando em relação a ela, tem exibido, a meu ver, uma boa dose de sinuosidade. Num "primeiro momento", podemos considerar que achava-se que o centro do Universo era a própria Terra. Houve divergências desde longa data, mas as descrições mais simples da História da Ciência costumam focar em Copérnico como sendo o iniciador da tradição que tirou a Terra do centro e colocou o Sol em seu lugar. Curioso que, apesar dessa mudança Terra -> Sol como centro do Universo se caracterizar como uma verdadeira virada de cabeça para baixo do esquema até então vigente, Asimov se refere (implicitamente) a ela como um "pequeno ajuste" no esquema geocêntrico do modelo antecessor (de Ptolomeu)... Imagino que Asimov certa vez deve ter retornado para casa após uma breve viagem ao Marrocos e relatado para sua esposa como tendo sido um "pequeno ajuste" a retirada de apetrecho pubiano protuberante inter-pernas que ele até então possuía, substituído doravante por apetrecho, digamos, cavernoide... Tamanho dos ajustes à parte, o fato é que o Sol também deixou, posteriormente, de ser o centro do Universo. Mais de acordo com a recente visão "BigBanguiana", o centro do Universo pode ser considerado como estando em todo o lugar. E se a visão do Multiverso for correta, provavelmente então o Universo (em sua totalidade) simplesmente não tem centro. Podemos ilustrar essa situação deste modo:

Evolução das Ideias a Respeito de Onde Fica o Centro do Universo
Terra (geocentrismo)  ->  Sol (heliocentrismo)  ->  Todo Lugar ("omnicentrismo")  ->  Nenhum Lugar ("acentrismo")


Parêntese Importante: o Sistema Heliocêntrico de Copérnico não era Melhor que o Sistema Geocêntrico de Sua Época

Thomas Kuhn afirma, em seu livro A Estrutura das Revoluções Científicas, capítulo 6 - As Crises e as Emergências das Teorias Científicas (penúltimo parágrafo do capítulo): "Mesmo a versão mais elaborada de Copérnico não era nem mais simples nem mais acurada do que o sistema de Ptolomeu. As observações disponíeis, que serviam de testes, não forneciam, como veremos adiante, base suficiente para uma escolha entre essas teorias.".

E posteriormente no capítulo 11- A Resolução de Revoluções: "Até Kepler, a teoria copernicana praticamente não aperfeiçoou as predições sobre as proposições planetárias feitas por Ptolomeu.".

Igualmente, é citado por fontes na internet (Wikipedia) que o sistema de Copérnico possuía, em profusão, os famigerados epiciclos do sistema ptolomaico
http://en.wikipedia.org/wiki/Deferent_and_epicycle



Exemplo 2: Estrutura em Larga Escala do Universo. Houve época em que achávamos que o Universo era centrado na Terra (geocentrismo) e que além dela pouco mais havia. Ao longo de uma certa quantidade de séculos, estabeleceu-se um conhecimento a respeito do heliocentrismo do nosso sistema local de corpos estelares (planetas, Sol, etc), somado a um subsequente conhecimento a respeito da distância das estrelas. Até 1920, achava-se que tudo que havia no Universo era a Via Láctea (nossa galáxia). Edwin Hubble demonstrou que na verdade havia muitas outras galáxias no Universo. Na época em que Asimov escreveu seu artigo (1988), a visão predominante ainda me parecia ser a exposta por Asimov com relação à estrutura em larga escala do Universo. Nas palavras dele (do artigo): "E mais, nós descobrimos que as galáxias e os aglomerados de galáxias são as unidades básicas do universo físico, como descoberto entre 1920 e 1930.". Na verdade, nesta época em que Asimov escreveu isso, já estava em fase bem adiantada de gestação uma noção bem diferente da estrutura em larga escala do Universo, uma visão que acrescentaria mais um "pequeno ajuste" na teoria vigente, multiplicando por 5 o total de matéria que se acredita existir no Universo. É a visão de que existe, além da matéria normal, um outro tipo de matéria chamada de Matéria Escura. A estrutura em larga escala do Universo deixou de ser representada de uma maneira "nodular" (galáxias isoladas, agrupadas em conjuntos e em megaconjuntos) para passar a ser representada de uma maneira mais "filamentosa" (filamentos de Matéria Escura se extendendo entre as galáxias, em formato espongiforme). De nódulos para filamentos, mais um "pequeno ajuste" Asimoviano... Ilustro essa radical mudança de perspectiva com as imagens abaixo:




O Universo de Issac Asimov. Nódulos Galáticos isolados. Essa visão vigorou mais ou menos entre 1925 e 1985.





O Universo segundo a visão atual. Filamentos intergaláticos.





Outra imagem representando a visão dos filamentos de Matéria Escura através dos quais as galáxias se estruturam em larga escala.




Abaixo, galáxias sob os olhos de Asimov.



Abaixo, galáxias sob os olhos atuais!




As imagens abaixo ressaltam de modo mais dramático a mudança de paradigma inter galático...


Abaixo, o modelo galático nodular, isolacionista,
tedioso, e sem graça de Asimov.




Abaixo, o modelo galático atual,
espongiforme e muito mais animado !




O desenrolar da nossa visão a respeito da estrutura em larga escala do Universo não apresenta uma caminho sinuoso tão óbvio como alguns outros exemplos de ideias na Ciência, onde por vezes percebemos um nítido vai-e-vem de ideias recorrentes. Contudo, há um aspecto bem interessante neste desenvolvimento, que é a descoberta (ou a postulação...) de uma matéria escondida em meio à matéria ordinária que conhecíamos até então, e da ordem de 5 para 1 (cinco quantidades de matéria oculta para cada quantidade de matéria ordinária). Cabe frisar que se de fato a totalidade do Universo incluir múltiplos universos, e múltiplas dimensões (e "múltiplos mundos" -
Everett's Many Worlds Interpretation), então o cenário acima mudaria consideravelmente. Mas talvez o cenário acima consiga se manter durante talvez uns 50 anos pelo menos...


Exemplo 3: A Constante Cosmológica de Einstein. Talvez o exemplo mais curioso de sinuosidade no caminho da Ciência vem dos trabalhos do próprio Einstein. Em 1916, surgia a Teoria da Relatividade Geral, de Einstein. Surgia SEM a Constante Universal. No ano seguinte, Einstein já havia incorporado a essa teoria a noção de uma Constante Universal, e a teoria passava então a vigorar COM a Constante Universal. Em 1929, novamente a Teoria da Relatividade Geral voltou a ficar SEM a Constante Universal. E, finalmente (por enquanto...), em 1998, as teorias pertinentes voltaram a ficar COM a Constante Universal. Vejamos então abaixo a posição da Ciência quanto à Constante Universal, diretamente ligada à Teoria Geral da Relatividade:


Posição da Ciência quanto à Constante Universal

1916
1917
1929
1998
NÃO SIM
NÃO SIM




Exemplo 4
: Natureza do Tempo
. Descrevendo de uma maneira bem simplista, podemos dizer que o tempo, até a época da mecânica newtoniana, era visto de um modo bem "normal". O tempo fluía para frente (no sentido passado -> presente -> futuro; nunca ao contrário disso), de modo (velocidade) inalterado (nada de fast forward - avanço rápido para frente - ou slow motion - avanço em câmara lenta. Apenas um fluir uniforme). Além disso, o tempo era o mesmo para todo mundo, não importando se você está aqui, ou no Japão, ou próximo ao centro da Terra, ou em uma estação espacial, ou parado em relação mim, ou viajando a uma velocidade de 99,999999 % da velocidade da luz em relação a mim, etc. Igualmente, acontecimentos simultâneos eram acontecimentos simultâneos. O carro azul vindo pela via norte-sul (sentido sul) cruzou o carro vermelho vindo pela via leste-oeste (sentido leste) no exato momento em que o relógio marcava  12:00hs do dia dez de Janeiro, e tudo isso coincidia com um bofetão que Maria dava na cara de João por ele ter enganado ela, sendo que João e Maria na verdade estavam não no planeta Terra, mas em um planeta na galáxia de Andrômeda, a uns 2 milhões de anos luz da Terra; tudo isso coincidindo, em perfeita simultaneidade. A partir de Einstein (1905-1930), tudo isso mudou. Se você viaja a uma velocidade muito próxima da velocidade da luz com relação a mim, então o tempo para você passa muito mais devagar do que para mim. Aqui na Terra podem ter passado milhões de anos, enquanto para você em sua espaçonave super rápida somente alguns anos se passaram. Igualmente, o que é simultâneo para o motorista do carro azul (que eu citei acima) não é simultâneo para o motorista do carro vermelho. Enquanto para o motorista do carro azul são simultâneos os acontecimentos cruzar o carro vermelho e bofetão em Andrômeda, para o motorista do carro vermelho na verdade no momento em que ele cruzou com o carro azul João e Maria ainda nem haviam decidido iniciar o namoro (uns dez dias antes do bofetão). Pior, há a possibilidade de que o tempo flua no sentido do futuro para o passado, ou que talvez, em um certo sendido (ou em um conjunto de sentidos diferentes), nem mesmo sequer exista tempo. Em um artigo publicado na Scientific American em setembro de 2002, o físico Paul Davis, ao comentar sobre um físico de um século antes (ano 1902), John McTaggart, afirma: "Mc Taggart usou esse confronto entre as séries A e B para defender a irrealidade do tempo em si, o que talvez seja uma conclusão relativamente drástica. A maioria dos físicos colocaria isso em termos menos dramáticos: o fluxo do tempo é irreal, mas o tempo em si é tão real quanto o espaço.". [Paul Davies. That Mysterious Flow. Scientific American. September 2002].


Exemplo 5: a Velocidade da Luz. Novamente descrevendo de modo relativamente simplista, mas..., podemos dizer que até Newton acreditava-se que a velocidade da luz fosse infinita. Einstein estabeleceu a Lei de Tolerância Zero no Trânsito Cosmológico. Velocidade máxima: 300.000 Km/s no vácuo. E só a luz (fótons) pode viajar nesta velocidade. Então, de infinito para 300.000 Km/s. Uma redução literalmente... INFINITA! Asimov descreve essa alteração infinita como um "pequeno ajuste".


Exemplo 6: Variação na "Precisão" de Teorias Subsequentes: esse é um ponto um tanto quanto "exato", então é mais fácil avaliá-lo em ciências mais "exatas", como a física. Na verdade, creio que só dá para checar isso na física mesmo, e ainda assim com reservas. Asimov fez isso, de certo modo, ao avaliar a precisão das diversas visões a respeito do formato do planeta Terra no artigo dele. No livro A Mente Nova do Rei, o prestigiado físico e matemático Roger Penrose diz (na página 169) que a precisão da Mecânica Clássica Newtoniana é de uma parte em 107. Já a Teoria Geral da Relatividade possui uma precisão de uma parte em 1014. Mais recentemente, como aparece neste link, a precisão verificada da Teoria Geral da Relatividade subiu para 1016! Para mim, descrever como Pequeno Ajuste a passagem de uma precisão de uma parte em 107 para uma parte em 1016 é uma Grande Tolice...


Exemplo 7: o Fluxo da Informação Genética. Para fins desta discussão nesta página, defino informação genética como a informação que leva à criação de um organismo vivo. Tradicionalmente, considera-se que a informação genética se encontra no DNA das células. Tanto faz, em linhas gerais, se o organismo é constituído de apenas uma célula sem núcleo (uma bactéria, por exemplo; exemplo de mais simples ser vivo conhecido), uma célula com núcleo (como uma ameba, por exemplo), ou um organismo multicelular. Podemos visualizar a informação genética como um livro contendo a receita de como construir uma nova cópia do ser vivo em questão. E esse livro é o DNA, normalmente organizado em cromossomas. Então, esse livro é, em situações apropriadas, lido por componentes da própria célula/organismo e através dessa leitura se constroi uma nova cópia do organismo em questão. Essa leitura tem como produto final a fabricação de proteínas. Temos então, de um lado, a informação genética, ou genótipo, normalmente considerado como constituído de DNA; e temos, do outro lado, o produto desta informação genética, que seria um organismo pronto, com todas as suas características físicas, cujo conjunto costuma ser referido como fenótipo. Classicamente, se considera que o fluxo da informação genética se dá do genótipo para o fenótipo, e não do fenótipo para o genótipo. A contrapartida molecular desta afirmação é que a informação flui do DNA para as proteínas (tendo o RNA como intermediário), e nunca das proteínas para o DNA. Isso inclusive é conhecido como o Dogma Central da Biologia Moleclar (ou da Genética): a informação flui no sentido DNA -> RNA -> PTN (por PTN, quero dizer proteína), o que equivale a Genótipo -> Fenótipo. Um outro ponto importante, ainda que relativamente "colateral", é a herança da informação genética. Você herda sua informação genética do seu pai, e não do padeiro (em sitações normais, é claro  ). Ou seja, a informação genética passa de "pais" para "filhos", o que é descrito como transmissão vertical. Agora, se você está passeando no zoológico e subitamente incorpora informação genética de uma... anaconda, então isso é descrito como transferência horizontal. Por volta de 1940, foi consolidada uma visão na biologia que ficou conhecida como Síntese Moderna, ou Neo-Darwinismo. O Dogma Central é algo embutido no Neo Darwinismo, e o resultado final é uma visão segundo a qual a informação flui no sentido genótipo -> fenótipo. Curiosamente, Darwin acreditava que a informação genética fluísse também no sentido fenótipo -> genótipo (assim como, antes dele, Lamarck). E, mais recentemente, a ideia de que a informação genética pode fluir no sentido fenótipo -> genótipo vem apresentando algum vigor minimamente renovado (neste link, e neste link).  Podemos ilustrar esse quadro com a imagem abaixo:




Conclusões Sobre os Exemplos: a mim parece que a visão de Asimov não se sustenta. A Ciência caminha de modo muito mais dinâmico (e menos "bonitinho") do que ele quer fazer seus leitores crerem (e pessoalmente tenho sérias dúvidas se ele mesmo acredita na visão que apregoa...).



Pontos Onde Asimov Parece Ter Cometido Erros Significativos em Seu Artigo.


Em alguns pontos, Asimov parece ter cometido erros científicos, factuais, ou interpretativos em seu artigo. Esses pontos só aparecem na versão completa do artigo (neste link), e não na versão editada que é mais conhecida (neste link). Vou citar os pontos abaixo:


1- Asimov afirma:


Newton's theories of motion and gravitation were very close to right, and they would have been absolutely right if only the speed of light were infinite.
As teorias de Newton sobre o movimento e a gravidade estavam muito próximas do correto, e elas estariam completamente corretas se a velocidade da luz fosse infinita.


Meu questionamento a esse ponto acima é se de fato as teorias de Newton passariam a ser exatas se a velocidade da luz fosse infinita. Me parece uma afirmação estranha. Mas, só posso ressaltar esse ponto.


2- Asimov afirma:


Newton's theory of gravitation, while incomplete over vast distances and enormous speeds, is perfectly suitable for the Solar System. Halley's Comet appears punctually as Newton's theory of gravitation and laws of motion predict. All of rocketry is based on Newton, and Voyager II reached Uranus within a second of the predicted time.
A teoria da gravitação de Newton, ainda que incompleta se aplicada a vastas distâncias e enormes velocidades, é perfeitamente adequada para o Sistema Solar. O cometa de Halley aparece pontualmente do modo previsto pela teoria da gravitação e pelas  leis de movimento. Toda a indústria de foguetes está baseada em Newton, e a Voyager II atingiu Urano com menos de um segundo de erro com relação ao tempo previsto.


Existe pelo menos um fenômeno a nível de Sistema Solar que viola claramente as Leis de Newton, que é a Precessão do Periélio de Mercúrio (descrição suscinta mas bem completa neste link). Um outro fenômeno que pode também ser descrito como se dando "a nível de Sistema Solar" e que não é explicável por Newton é o próprio fato do Sol "queimar" (ou seja, realizar a fusão nuclear em seu interior, gerando luz e calor, além de também gerar "outras coisas"). Esse fato, curiosamente, só é explicável pela Mecânica Quântica.


3- Asimov afirma:


(...)quantum theory has produced something called "quantum weirdness" which brings into serious question the very nature of reality and which produces philosophical conundrums that physicists simply can't seem to agree upon. It may be that we have reached a point where the human brain can no longer grasp matters, or it may be that quantum theory is incomplete and that once it is properly extended, all the "weirdness" will disappear.
(...)a teoria quântica produziu algo chamado "estranheza quântica" que traz sérios questionamentos a respeito da própria natureza da realidade e que produz desafios filosóficos sobre os quais os físicos simplesmente não parecem conseguir chegar a um acordo. Pode ser que tenhamos chegado a um ponto no qual o cérebro humano não conseguirá mais dar conta dessas questões, ou talvez seja a teoria quântica que seja incompleta e uma vez que ela seja adequadamente extendida toda a "estranheza" desaparecerá.


Esse ponto acima é deveras interessante, e é o único onde Asimov levanta uma questão de enorme interesse para o assunto do artigo dele: até que ponto nosso cérebro pode dar conta da realidade? O fato de eu incluir esse trecho acima como "possivelmente errado" se deve ao fato de Asimov na verdade não ter demonstrado a capacidade de seguir a força do argumento acima até onde ele de fato nos leva, que é justamente a discussão de se existe uma VERDADE externa, se essa VERDADE é atingível em princípio, e se essa VERDADE é atingível na prática. No trecho acima, Asimov aventa a possibilidade da VERDADE não ser atingível na prática, pelo menos até que nossos cérebros mudem (melhorem).


4- Asimov afirma:


Again, quantum theory and relativity seem to be independent of each other, so that while quantum theory makes it seem possible that three of the four known interactions can be combined into one mathematical system, gravitation—the realm of relativity—as yet seems intransigent. If quantum theory and relativity can be combined, a true "unified field theory" may become possible. If all this is done, however, it would be a still finer refinement that would affect the edges of the known—the nature of the big bang and the creation of the Universe, the properties at the center of black holes, some subtle points about the evolution of galaxies and supernovas, and so on. Virtually all that we know today, however, would remain untouched and when I say I am glad that I live in a century when the Universe is essentially understood, I think I am justified.
De novo,  a Teoria Quântica e a Relatividade parecem ser independentes entre si, no sentido em que enquanto a Teoria Quântica faz parecer possível que três das quatro interações conhecidas (eletromagnetismo, força nuclear forte, e força nuclear fraca) possam ser combinadas em um sistema matemático, a gravitação - que se situa no âmbito da Relatividade - até agora parece intratável (ou seja, não incorporável pela Teoria Quântica). Se a Teoria Quântica e a Relatividade puderem ser combinadas, uma verdadeira "Teoria Unificada de Campo" pode se tornar possível. Se tudo isso for feito, contudo, isso seria apenas mais um refinamento mais apurado que afetaria as fronteiras do conhecido - a natureza do Big Bang e a criação do Universo, as propriedades no centro de buracos negros, alguns pontos sutis a respeito da evolução das galáxias e supernovas, e por aí vai. Virtualmente tudo que conhecemos hoje, contudo, permaneceria intocado e quando eu digo que me sinto feliz por viver em um século no qual o Universo é essencialmente entendido, penso estar justificado.


Basicamente, Asimov demonstra acima uma cabal ignorância a respeito das implicações do Conhecimento Científico Avançado na interpretação dos Fatos Cotidianos., quando ele afirma que "Virtualmente tudo que conhecemos hoje, contudo, permaneceria intocado". O que de fato ocorre é que, independente desses avanços na ciência, podemos continuar apostando corridas a pé com nossos colegas por extensões de 50 metros sem nos importarmos com nada disso, assim como podemos continuar cozinhando, brigando, fofocando, etc. Todas essas atividades são suficientemente iguais independente se as olharmos pelos olhos da física de Aristóteles da física de Newton ou de Einstein ou da Mecânica Quântica. Mas isso não torna virtualmente tudo que conhecemos hoje intocável (ou intocado) pelas mudanças introduzidas por essas teorias. Pelo contrário, isso mostra o quanto nossa percepção senso comum da realidade é falha (ainda que válida para quase todos os propósitos práticos).



Conclusão Final:  Onde  Está  a  VERDADE ?


O artigo de Asimov que tento analisar nesta página me parece extensamente errado. Asimov alega acreditar que entendemos os fundamentos do Universo - através das teorias da Relatividade e Mecânica Quântica - que conhecemos a estrutura do Universo como sendo os nódulos galáticos (e seus aglomerados), e que o caminho da Ciência se dá através de pequenos ajustes nas teorias precedentes. Contudo, pouco tempo após ele escrever seu artigo, a visão galática nodular ruiu, e as tentativas de transcender a dobradinha inconciliável Relatividade-MecânicaQuântica continua se dando através de esforços que parecem longe dos "pequenos ajustes" nos quais Asimov alega acreditar. Volto então a frisar um ponto que ressaltei acima:
quatro questões principais embutidas no artigo de Asimov que são: Primeiro, existe a Verdade? Segundo, é possível atingirmos a Verdade (na prática ou também, alternativamente, em princípio)? Terceiro, como caminha a Ciência ao tentar atingir a Verdade? E Quarto, em que ponto está a Ciência atualmente (ou, no caso de Asimov, na época em que ele escreveu seu artigo), em seu rumo à Verdade?. Asimov poderia ter feito um esplêndido texto se de fato abordasse essas questões. Contudo, ele se limitou a escorregar por um caminho na verdade ideológico, onde ele tenta vender a ideia de que a Ciência é "bonita e gostosa". Penso que o que motiva pessoas como Asimov a incorrer neste gravíssimo erro é o fato da Ciência ser frequentemente contestada de modo maldoso por parte principalmente de grupos "religiosos". A lógica é mais ou menos essa: se as teorias científicas estão erradas, então vamos ensinar nas escolas (nas aulas de Ciência !!!) não apenas o Big Bang mas também o Criacionismo Bíblico que diz que o Universo tem pouco mais de 4000 anos de idade. Mas um erro não justifica o outro, e, neste caso, ambos estão Absolutamente Errados !


Incluo no link abaixo a versão completa, em inglês, do artigo de Asimov, ressaltando em vermelho os trechos que foram retirados na versão mais conhecida. A intenção das remoções de trechos pareceu ser: melhoria estilística; retirada de erros científicos; ocultação de trechos arrogantes de Asimov; e apresentação de uma obra mais, digamos, "exata-quantitativa", retirando-se exemplos mais "nebulosos-qualitativos".


Asimov Texto Completo.